15 de outubro de 2006

A Raiz dos Poderes do Ar




“A imagem é mais verdadeira que a verdade."
(Jean Baudrillard)


Inteligência é afrodisíaco, diz-se por aí. É vero. No amor, amizade ou trabalho aplaudimos sua arguta e bela égide. Uma afinada composição entre Atena e Afrodite. Também é senso comum que "inteligência" em excesso, atrapalha. Não raro é vista como a gênese das eternas punhetas mentais. Problemas de recorrência, círculos viciosos, obsessões, sofrimento. A manutenção de catálogos - frases feitas que fulminam a fluência, e o excesso nas categorizações.

Borboletas presas em alfinetes assinalam o fim das asas. É bom observá-las voando. Ou mudar a metáfora: que sejam lençóis delicados pelo vento sobre corda de metal, finíssima.

Mas aí vem a observação: "a mente é a uma armadilha" etc e tal. E a conversa termina drasticamente quando alguém diz, conformado, que a "ignorância é a verdadeira felicidade". Mas inteligência não tem nada a ver com confusão. Tem a ver com a forma com que se prendem os lençóis.

A inteligência emocional, por exemplo, não partiria de uma decisão do sujeito em encarar de frente as esquinas pontudas do coração, as sensações primeiras, o exagero e a falta? Tudo passa pela mente, “o grande filtro". O corpo, não teria sua "inteligência"? E não parte de uma decisão da mente deixar que o corpo fale? Desatados os nós inconscientes, é claro...

O pensamento vai do vento a uma chapa de alumínio. E assim, sucessivamente, até o ferro - pesada ferradura. Pode virar uma bigorna. Não necessariamente nessa ordem. É bom lembrar da justa medida - aquecer o aço até que se torne vermelho-cereja. Mergulhar a lâmina em água límpida. Cravá-la na terra. Lustrar a espada, sempre, com a disciplina de um samurai. Afiar a faca.

Deixar com que escoem numa complexa peneira com maior ou menor grau de retratibilidade na sua trama. As emoções (água) as sensações (terra) as intuições (fogo). Lavar a talha, limpar o filtro. Todos os dias. Os resíduos? Antes, procurar os diamantes.

Isso tudo é do escopo das Espadas.

Mas aí vem você (?) e diz: - "Há exagero nas imagens, a abstração pressupõe uma postura não-imagística. Por que tantas metáforas?” Hum, eu retrucaria: - "Onde está escrito isso? Vem com certificado de validade? "

A força do Tarot não está nos seus conceitos, mas nas imagens. E partindo desse pressuposto, não seria o naipe de Espadas um injustiçado na trama do Tarot?

Quando Waite orienta Pamela Smith em seus desenhos ou quando Crowley o faz de maneira bastante pessoal com Frieda Harris, a que lógica estruturante obedeciam além da ordenação esotérica, iniciática? Como eles falaram do seu tempo? Que idéia de mundo traziam à tona?

É só olhar para as cartas, estendê-las. Deixar a tabelinha da cabala onde estava - se é que você usa uma - e junto com ela, tudo que tinha lido antes. Ver com os olhos livres cada imagem sendo narrada.

É possível piorar a situação: estenda as cartas de pintas do Marselha, originalmente abstratas, ao lado do Crowley e do Waite. E depois guarde na caixinha os dois últimos. E me diga o que aconteceu. Talvez o palo de espadas devesse vir sem imagens, então.

Conta a lenda que as figuras de Espadas são as mais terríveis, as mais rebeldes. Pensando na seqüência de 1 a 10, o que se salvaria da selvageria mental? O Ás? O Seis? Os significados divergentes da lâmina de número Dois, chamada ora de Paz, ora de Guerra íntima? Uma engenhosa aliança.

A meu ver o Dois fala do paradoxo. Oxímoros. Por uma lado, a mente cria o estado perfeito para analisar com critério um determinado fato, por outro bloqueia o contato com as emoções. Enquanto isso, em Gotham City, ou melhor, em San Diego, as espadas cruzadas falam sobre o embate. Um encontro marcado, duelo. Colisões intelectuais podem ser extremante frutíferas. Ou não. Afinal há um mar de emoções, e são tantas as emoções...e depois, todos os cretenses sempre mentem, é bom não esquecer.

Quero dizer o óbvio: se o palo de Espadas é naturalmente mal-dignificado em seus significados mais literais, não valeria uma outra "visada"? Uma visão menos comprometida com a forma de pensar o mundo no século XIX?

Exemplos, exemplos, exemplos.



Eu desejava mesmo era falar sobre a Rainha de Espadas,
mas fiquei com o lençol agarrado na perna do Ás.

Tá valendo.
Já volto.


Zoe,
num belo domingo de primavera

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