11 de novembro de 2006

GOROROBA "ESOTÉRICA"



Outro dia, muito bem acomodada no banco de trás do carro do meu pai, atravessando a Barão do Cerro Azul e indo sei lá pra onde, minha mãe me chamou a atenção: - Ei, filha, olha ali aquela faixa. Levantei os olhos e vi um enorme banner branco com dizeres em vermelho: TARÓLOGA. Abaixo, o número do telefone.

Anotei o número. E comecei a pensar sobre a divulgação do meu trabalho. Já havia, em priscas eras, cogitado uma placa bem linda (da cor do mar com todos seus peixinhos + azul do céu com todas suas estrelinhas), aqui na frente de casa mas desisti. Eu, que sou uma espécie de Eremita com Bela Adormecida (me apraz acreditar nisso), não ficaria à vontade. Se têm dias que nem atender o telefone atendo, quem dirá correr para a porta ou instalar uma campainha. Leituras, só com recomendação e hora marcada.

Me lembrei também daquele anúncio em papelão escrito com caneta pilot que se vê tanto por aí dizendo: JOGO DE BÚZIOS E CARTAS CIGANAS. E também daqueles "santinhos" pregados em postes em que se promulga a solução de todas as pendengas: "curo impotência, resolvo seus problemas financeiros e trago de volta seu amor perdido em 7 dias", etc. - leia-se, nas entrelinhas, pela módica quantia de 5 mil reais. Cierto, se o bicho pegar, viro a Madame Zoe (risos, por favor). Pagar vintão numa cartomante pode sair bem mais caro do que se imagina.

Chegando em casa, telefonei para a taróloga:
- Boa tarde, por gentileza, é você quem trabalha com o Tarot?
- Sim, a voz do outro lado respondeu.
- E qual Tarot você usa?
- As cartas.
- Sim, as cartas. Mas quais cartas?
- As cartas do baralho.
- Perfeito, compreendi, mas acho que não me fiz entender. Gostaria de saber que tipo de cartas a senhora usa - se é o Marselha, Waite ou Crowley.
- Não, eu faço Tarot. O Tarot é jogar búzios e cartas ao mesmo tempo.

(pausa para uma enorme surpresa)

- Senhora, eu estudei esse assunto um pouquinho e pelo que me recordo, o Tarot é um sistema de imagens composto por 78 cartas, sendo que 22 delas são os arcanos maiores e as outras 56, os arcanos menores.
- Hum, respondeu a mulher, visivelmente contrariada. Achei melhor não insistir e perguntei quanto era a consulta, ao que ela me respondeu:
- Trinta reais.
Agradeci às informações e desliguei o telefone.

Atenção: nada contra "cartomantes", muito pelo contrário. Se usamos as cartas somos todos cartomantes, obviamente. E, não raro, a intuição pura ou mesmo o dom da vidência pode se adaptar perfeitamente às necessidades de alguém. Falta de estudo não significa falta de inteligência ou de sabedoria, escuso dizer. Nada contra o uso das cartas comuns ou do Petit Lenormand, um belo conjunto de lâminas divinatórias. Mas péra aí: o Tarot agora é um mix de búzios com cartas de baralho??? Fico imaginando a cena: as pequenas conchas em uma peneira - acrescenta-se as cartas, sacode-se com força e joga-se tudo sobre um belo tecido dourado rodeado de velas. Oxumaré que traz o Ás de Copas que é o Santo Graal responde que sim.

Talvez a moça que me atendeu ao telefone seja uma fera, digo isso agora sem ironia. Talvez possa fornecer informações que não estariam ao meu alcance, mesmo com meus anos de estudo. Mas daí a se intitular taróloga...pode não.
Outra: questiono também a postura dos que mais parecem ser "shoppings centers esotéricos ambulantes". Fulano lança as runas, faz mapa astral, lê bola de cristal e, de quebra, ainda rola um "trabalhinho". Pô... eu poderia passar a vida inteira estudando o Tarot e ainda assim teria o que estudar. Porque estudar o Tarot não é só estudar o Tarot.

Não sou a favor da institucionalização do nosso trabalho porque não acredito que a lida com as artes da imaginação (que vivem de um estado "nascente") possa ser enquadrada cientificamente. Creio na necessidade de cursos de iconologia, iconografia, do conhecimento das convergências simbólicas, da arquetipologia. Que grupos de estudo são enriquecedores. Que o questionamento sobre a ética também é imprescindível. Mas não consigo me imaginar com uma "carteirinha de taróloga". Posso vir a mudar de opinião, é claro. Por ora, acredito que informações acertadas são sempre bem vindas e que é preciso, quando se procura uma consulta, que o sujeito saiba o que vai encontrar.

E a "taróloga" em questão me forneceu rapidamente as dicas de que eu precisava.


Zoe de Camaris

14 comentários:

Anônimo disse...

Minha cara, cada um tem o tarólogo que merece (ou que pode pagar!).
Beijos

Anônimo disse...

Oi Mak,


Chateou-se com a Maria Bethania? rs.

Pois é, querido, o problema é que o barato pode sair caro, como sói acontecer.

Sua observação me fez lembrar das nossas etenas brigas, principalmente naquele dia em que eu lhe disse que aqui no Paraná a gente tem muito polaquinho ranhento na favela e que não é só preto que é pobre.

De novo, reitero - nada contra as cartomantes, as videntes, e nem contra a loucura sincrética que é a cara do nosso país - beleza e perdição.

Só quis colocar os pontos nos "is". Depois disso, a gente pode misturar tudo de novo e até pronunciar "Rimbaud", como se diz.


saudades,
(de verdade verdadeira)

Anônimo disse...

Pois é ...
por que não simplificar, tarólogos deitam tarô, cartomantes joguem cartas e pais de santo búzios.
Mas como sempre digo simplificar é muito difícil... já complicar qualquer idiota complica.

Anônimo disse...

Pois é, Gwy. Acho que é a ânsia de agradar, parecer mais completo, mais poderoso, sei lá. No caso aí da "taróloga", me parece ser ignorância mesmo. Quando ela me disse que Tarot era o processo de jogar búzios e cartas, eu quase caí pra trás, juro.

Quanto às pessoas que procuram a leitura, elas, a principio, não precisam saber de nada. Mas deveriam.

Tem gente muita gente que na hora em que sofre uma decepção ou um golpe financeiro, entra em parafuso. E é bem nesse momento que os aproveitadores da boa fé entram em ação.

Um floralzinho aqui, uma fazeçãozinha de cabeça ali, uma ameça no ar...e pimba. Neguinho fica cego.

Já vi até doutor da USP cair em roubada.

beijinho,

Anônimo disse...

Pois é se eu fosse ligar para ameaças e ex. maldosas, eu ficaria muito preocupado, mas creio que seria dar muita força aos meus inimigos acreditar, que eles puseram o Lulla lá só para me prejudicar.
Oráculos são auto conhecimento, quem não buscar isto, pode usar qualquer oraculista de “Déis Real” que fale o que ele quer ouvir e tudo bem...

Anônimo disse...

Zoe!
Sentada na poltrona do meu escritório, com a chuva e a escuridão de outono do outro lado da janela, tele-transportei-me para sua história. Corri para uma sua salinha acolhedora; Panteon e sala de estar, onde deuses gregos, simbologia e muito mais fizeram pincelar meu quase nulo conhecimento de tarot. Sim, a sua salinha. O seu café mais gostoso do mundo e esta aluna hipnotizada pela destreza e melodia com que desfiava as tramas complicadas e transparentes das lâminas (depois desta, prefiro chamar assim). Que ainda voam à minha frente, em movimento belo, como o da foto maravihosa que escolheu para este texto. Tanto ainda a aprender e a buscar e o meu amadorismo modesto que mantém o oráculo na caixinha preciosa e segura...e pasmo! Tento entender; a necessidade..., as contas à pagar...tá bem, o Brasil tá difícil... Mas nada justifica explorar o espírito sedento de uma pessoa perdida, desesperada ou fragilizada! Concordo com você! Melhor vender carregador de celular no sinaleiro, ou outra coisa qualquer. Até ilusões no pipoqueiro. E esta, tão profissional, com out door e tudo!? Too much!! Quero ser cartomante não! Prefiro ser laminante.
p.s.: Parabéns pelo textado...

Anônimo disse...

Eu sempre tive bronca destas coisas, como a "marquetização" fuleira das coisas e a idiotização leviana dos oráculos e ciências afins - tanto dos consultores como dos consulentes, que fique bem claro.

Não basta aprender Reiki, por exemplo, quem aprende, "canaliza" e inventa uma outra modalidade para fazer um novo mercado. Aqui no Rio (até porque aqui tem de tudo) existe a iniciação ao uso da Espada Reiki para remover implantes de extra-terrestres... Deve ser uma coisa mezzo Lobo Solitário mezzo Dart Vader, mas não ouso tentar descobrir do que se trata.

Fico lembrando da capacitação de uma atendente destas lojas esquisotéricas que, entre o forte cheiro de incenso e o ensurdecedor CD de música cigana, dava a mesma atribuição para qualquer cristal colocado à sua frente - tudo atraía sorte, afastava negatividade e abria caminho para trazer a pessoa amada, não importa se era uma pirita, um quartzo rosa ou uma granada.

Mais recentemente temos a moda da cabalá (sim, cabaLA, e não caBAla - e por falar nisso, porque tantos professores de feng shui se recusam a dizer "fong shuei"? Nunca vou saber).

Bom, de volta a Cabalá, quase tudo é cabalístico, incluindo o meu sabão em pó azul polar cabalístico, que deixa o branco com o branco de atzilut...

Aí as pessoas se aproximam e pedem para que eu faça a caBAla delas ou perguntam onde podem comprar uma caBAla com qualidade e bom preço. O que respondo? De modo geral, tento dizer que cabaLA não se faz ou se compra, mas se estuda e de uma hora para outra me torno a pessoa mais mal informada do planeta e sugerem que eu entre no site da Madona para me inteirar do assunto...

Enfim... ela vai voltar para mim? rsrsrs

bjs

Anônimo disse...

Marcinha,

Não é possível deitar o Tarot sem o conhecimento da palavra 'responsabilidade'. As pessoas que nos procuram estão, não raro, frágeis, abertas, prontas para absorver. Somado a isso, cada um tem um foco. Há coisas que o consulente "escuta". Outras, bloqueia. Por outro lado, o Tarot exige o vôo da imaginação. Um leitura pressupõe então, o exercício do Mago - manter-nos dançando mas equilibrados na corda bamba.

Não é bolinho.

Mas bolinho com café vai bem, não é?
:)

besos,

Anônimo disse...

Marcelo,

Há anos atrás, rolei de rir com um texto do Alexey Magnavita, "Os Esquizotéricos". É perfeito. Conhece?

Aqui em Curitiba, a viagem no azul polar em pó não é tão grande. O povo tem vergonha de pagar mico. Então, tudo acontece meio escondidinho. A faixa da "mix-taróloga" foi uma surpresa.

Quanto às questões amorosas, já desisti. Homens ou mulheres, a pergunta de maior sucesso deste lado do Mississipi também é: - ele(a) vai voltar pra mim? Normal. O amor faz sucesso em todas as bacias hidrográficas.

Ando pensando em criar uma tiragem específica para isso, mesmo mesmo. Aliás, ótima idéia. Vou propor aos meus alunos do intermediário.

Uma tiragem que contemple, principalmente, questões de baixa e alta estima.


abraços,

Anônimo disse...

Oi Zoe, eu tenho um interesse incondicional em tarôs e baralhos e estudo um pouco sobre o tarô mitológico. você acha que é bom conjunto de lâminas? Abraço

Anônimo disse...

Oi Lisandra,


O que eu gosto no Tarot Mitólogico é a forma engenhosa com que as autoras construíram as seqüências nos naipes, contando uma história. E também o seu didatismo inerente, que nos permite (re)conhecer os mitos gregos. Mas só. Não gosto das ilustrações, são bem feias na minha opinião. E depois, reduzir o tarot a um só sistema de pensamento (a mitologia grega) me parece pouco para que ele se torne um tarot de uso diário. O que quero dizer é que para o estudo do tarot e sua leitura deveríamos usar, preferencialmente, os decks clássicos. Quando não é assim, guardo como item de coleção. Eu não usaria o Tarot do Klimt, por exemplo, para uma leitura profissional e seu estudo seria apenas um recurso comparativo com os decks clássicos - para saber o que o autor elegeu como importante na sua recriação.

O Tarot Mitológico faz muito sucesso. Tem gente que se acostumou de tal forma a ele que não consegue ler nenhum outro. Então, se vc está no começo da sua jornada, recomendo que dê uma olhada no Marselha, no Waite ou no Crowley.

Agora, o mais importante de tudo é que o tarot "fale" com vc. Se estes que eu recomendo não lhe inspiram, continue com o Tarot Mitológico.

abraços,

Anônimo disse...

JAJAJAJAJA!!! lança cartas e búzios? já agora cachaça, carapaus e, porque não, feijão com arroz??
JAJAJAJAJA!!!

Anônimo disse...

Adorei seu texto, Zoe! Aqui, do lado da pessoa leiga que às vezes sente vontade de estreitar contato com essas artes, muitas vezes me pergunto se não estou a ser engambelada por alguém que, pode até não estar conscientemente se utilizando de má fé, mas no mínimo é incapacitado para exercer esse misto de arte e ciência. Ou pior, vende coisas que podem custar bem caro, e não é só de dinheiro que estou falando.

De qualquer forma, bom te ler. No final do ano estarei em Curi, e te procurarei para conversarmos sobre isto e sobre as futilidades tb, tão necessárias.

Beijos, fique bem e em paz.

PS - qual é mesmo o telefone da "taróloga"?

Anônimo disse...

Éeéééééé, Zoe, quando penso que já vi tudo...