14 de abril de 2006

MEU NOVO SONHO DE CONSUMO:

O TAROT DA DONA DE CASA



Amei a idéia, imagine só: você está varrendo a sala, em pleno processo meditativo - o poder do devaneio de que nos fala Gaston Bachelard - e lá pelas tantas tem uma percepção inusitada. Para confirmar a sacada, corre para a caixinha de "divinação doméstica" e puxa um cartão - Ás de Paus!

É vero, o espanador pode ajudá-la a desmanchar teias de recorrências e lançá-la num novo mundo. Quem pergunta ao pó...



Ou então, A Temperança: A solução está em fazer um cheesecake naquele exato momento e reparar seus sentimentos. Como Água para Chocolate. Genial. Não vou sossegar enquanto esta caixinha não estiver na minha prateleira da cozinha, ao lado do açucareiro. E não estou ganhando royalties, juro ! É paixão de colecionadora. Ou quem sabe assim, possa fazer finalmente algum sucesso na cozinha.



O Tarot é mesmo uma máquina de imaginar. Adoro suas releituras criativas e curiosas, como neste trabalho de Paul Kepple e Jude Buffum. O deck tem sua iconografia no melhor estilo anos 50 - primorosamente irônico, mas contendo percepções pontuais sobre significados pouco explorados na maior parte dos decks tradicionais.

Segundo conta o livreto (ou melhor dizendo, os artigo das tarólogas Sally Ann e Janet Boyer, no Aecletic, já que ainda não o tenho ainda a acalentada caixinha em minhas mãos), o Housewives Tarot foi criado por Marlene Louise Wetherbee, uma dona de casa convencional. Maridão, crianças obedientes (ou nem tanto, se levarmos em conta a lâmina da Justiça) e uma casa impecável. Marlene Louise estava sempre na moda e era uma vitoriosa na cozinha. E como se tal configuração não lhe bastasse, era dotada de uma enorme intuição.

Um dia, no meio de um jogo de bridge com as vizinhas, resolveu divulgar o segredo do seu sucesso, amealhando um séquito de ávidas donas de casa, todas inconformadas com a difícil vida do lar (doce lar). Resultado? Marlene Louise, agora Madame Marlena, abriu seu próprio negócio, ensinando as esposas a nunca errarem uma receita de bolo e a manterem a cozinha sempre arrumada - o que vamos e venhamos, é coisa para Jeanne é um Gênio.




E depois da lida (ou ainda, antes de tudo), a recompensa: O Eremita. No melhor estilo Rainha de Ouros (do Thot Tarot) - aquela que já descascou o abacaxi e agora pode se dar ao luxo de cuidar de si mesma. Afinal, está na hora do marido chegar em casa. E nenhum homem quer encontrar sua mulher de chinelos, não é mesmo? Descer do salto, nunca! Assim dizia Madame Marlena. E parece que dava certo.




Bem, doces amigas do lar, Madame Zoe agora vai trabalhar. Ainda faço parte desta safra de mulheres complicadas que precisam aprender tudo com Madame Marlena.

abraços domésticos,

Zoe de Camaris
p.s.1: Confiram e divirtam-se - http://www.housewivestarot.com/

10 de abril de 2006


Tarot Torat Campaign / 3 of swords


Do meu coração ela fez almofada furadinha de alfinetes.

Dalton Trevisan

4 de abril de 2006

AMOR EM ARCANOS

O Triedro dos Relacionamentos

"... Aonde está você agora /
Além de aqui dentro de mim? "
Renato Russo



O amor é um mistério. Não se sabe de onde vem, nem porque vem. Podemos senti-lo, quase tocá-lo, mas é abstrato. Não há dúvidas que é o motor do mundo, a força que ordena e organiza a vida na Terra. E contra ele não existe magia. Apenas o encantamento. O Amor é o que restabelece a perfeição do nosso estado natural. Une o que está separado. Permeia nossas vidas todos os dias, todas as noites. Não há ser humano que não o conheça - é o que vivifica a vida (com a licença de uma acertada redundância), o que lhe dá sentido. E qual o sentido? Ou melhor, quais os sentidos, quais os caminhos o Amor pode tomar? O Tarot nos dá algumas pistas, alguma orientação.

São três os arcanos: O Enamorado, A Temperança e O Sol, representando três faces ou possibilidades, uma trívia. E todas estas formas de amar se interconectam, são permeáveis a influência umas das outras, atuam em conjunto, por isso o triedro: nada, nesse terreno, pode ser dissecado com o bisturi da lógica. Seccionar só serve para que possamos compreender melhor. E depois de conhecido, é recomendável que tudo seja colocado novamente no caldeirão.

Bem, partimos do principio platônico do andrógino primordial. Como é do conhecimento de todos, no livro "O Banquete" é narrado um mito que conta sobre estranhos seres proto-humanos que possuíam uma forma redonda - quatro pernas, quatro braços e um só corpo. Faziam amor com a Terra e moviam-se em giros. Eram donos de uma tremenda força e resistência, além de uma enorme ambição. Tomados pela arrogância resolveram invadir os céus, despertando a ira de Zeus. O rei dos deuses tomou uma espada e os cortou pelo meio, transformando-os em "metade". Desesperados, sem encontrar paz, buscavam sua outra parte sem descanso e quando a encontravam, fechavam-se em um abraço mortal. Zeus sensibilizou-se com o estado das coisas e mandou passar para frente os órgãos sexuais que se localizavam atrás. Assim, ao menos por um curto momento, as metades poderiam saciar-se num instante de morte, um instante de prazer, a chamada "pequena morte": o orgasmo. Separavam-se novamente e continuavam suas vidas, mesmo que incompletas, até o próximo abraço. E o Amor seria este encontro, o encontro da metade perdida. É a saudade de um "antigo estado", um estado de perfeição que todos nós, de uma maneira ou outra, tentamos recuperar.


E nesse momento, e nessa busca, não é a Eros, fugidio deus do amor, a quem devemos implorar, mas sim ao deformado Hefesto, companheiro de Afrodite e forjador das armas dos deuses que, ao ver-nos unidos no abraço, pode tornar-nos de novo um só:


«Aquilo que ansiais não é uma fusão perfeita de um com o outro, para nunca vos separardes, nem de dia nem de noite? Se for esse o vosso desejo, eu posso fundir-vos e soldar-vos, com o poder do fogo, num mesmo indivíduo, de tal forma que de dois vos transformo num só, de forma a que vivais um para o outro enquanto durar a vossa vida, e que, uma vez mortos, no Hades fiqueis um, ligados os dois numa espécie comum


Então peçamos ao ferreiro divino que nos faça de novo um só. Pois todos sabemos que quando o Amor une duas pessoas, a completude original é recuperada. E aí fica bem mais fácil cada um cuidar de si.


Ok, podemos dizer que estes dois pólos convivem dentro da gente. Yin e Yang, Anima e Animus. E assim é, senão creio que enlouqueceríamos. Algo dentro de nós subsiste gerando maior ou menor conforto, dependendo dos esforços de cada um na busca de Si Mesmo. Mas nada anula a busca do Si Mesmo no Outro.




No Tarot, o primeiro encontro dos amantes está representado no sexto arcano, O Enamorado. É a atração, a sintonia pressentida, o amor "à primeira vista", coup de foundre. O momento da dúvida, de conflitos, e também da eleição. O arrebatamento, a paixão, o desejo que inflama e toma o corpo e os pensamentos. O reconhecimento inicial, a "pesagem" das qualidades e defeitos, as primeiras recusas e aceitações. Os jogos de sedução, a dança do acasalamento. O namoro que pode ou não resultar em um casamento. Aqui se esgota a influência deste arcano, ao menos nos objetivos deste pequeno estudo. É o amor EROS.


A Temperança representa um segundo movimento e é aqui que as uniões se consolidam ou se desmancham. Passada a fase de novidades, representada pelos Enamorados, a Temperança promove os processos de intimidade o distanciamento, os acertos, a "equalização" do relacionamento. É a fusão e amálgama dos líquidos, dos humores. As famosas "concessões", sem as quais nem um relacionamento caminha. É fase em que se ganha confiança no parceiro. A justa medida. É a "realidade" do amor. A relação é "temperada" e caminha para o amor maduro, já não sobre a égide do anjo brincalhão. Manter a chama acesa é o desafio dos parceiros até porque na mistura de elementos díspares, os monstros costumam aparecer na superfície. É a hora dos vínculos acertados, da colaboração, da harmonia. Um processo demorado, uma sutil alquimia que pode ou não chegar ao próximo estágio, O Sol. É o amor PHILOS.



O Sol aparece para os amantes quando a confiança total é estabelecida. É o desfrute, a benção, o mel. Traz em si a Temperança introjetada e o brilho da paixão enamorada do arcano seis. Não há vergonha, mas sim um jardim paradisíaco. É o amor ideal, a idéia de alma gêmea que dispensa os outros estágios. É a certeza do Amor. Poucos relacionamentos chegam até O Sol, superadas as agruras da Temperança. A sorte grande é quando o encontramos num primeiro momento, quando olhamos nos olhos de alguém e o reconhecemos como o parceiro que vínhamos esperando desde sempre. Talvez seja uma idéia extremamente romântica do amor, parece quase impossível. É O Enamorado numa oitava maior, sem as dúvidas paralisantes. A inocência é recuperada, todo o corpo se abraça, envolvendo a alma. Não há medo da repulsa, os gestos são espontâneos. Não há jogos nem armações, não há nada para esconder. Os gêmeos estão nus sob O Sol e também protegidos pelo muro sagrado. É o amor ÁGAPE.



Nestes tempos de "Amor Líquido", como nos diz Zigmunt Bauman, já é raro passar do primeiro para o segundo estágio. As relações estão frouxas, sem consistência. Todos desejam um verdadeiro amor e, nessa busca, desejam estar sempre disponíveis para um próximo amor, que poderia ser o ideal. Projeta-se a felicidade no futuro e se foge das experiências do passado, ou se tenta revivê-las, como se fosse possível. Raramente se chega ao momento da Temperança. E quando acontece, os amantes se separam, entediados, buscando as novidades do arcano seis, ou ainda sonhando com alma gêmea, representada pelo Sol.


Bem, independente da face Eros que estivermos vivendo há algo de atemporal e eterno, uma origem divina no Amor. E uma atração irresistível, um sentido quase inumano no mais humano de todos os sentimentos. Ou será que sou só eu que penso assim?

Zoe de Camaris
p.s.1: agradeço ao querido amigo Mauro Lima por ter escaneado pra mim as cartas do seu belo Tarot Art Nouveau. Caíram como uma luva para este artigo.
p.s.2.: vale a pena dar uma olhada, para complementar o assunto, nos meus artigos aqui neste mesmo blog, neste mesmo cat-canal, sobre O Sol e A Temperança. Comentários, críticas e contribuições serão muitíssimos bem vindos.