14 de março de 2007

Mais acordes de Violino



Há alguns detalhes que ficaram faltando na análise do Violino Vermelho, postagem anterior. Não satisfeita com a falta de informações sobre as fontes do Tarot apresentadas no filme, continuei na minha insana fúria de pesquisa.

Pois bem. Há 3 questões relevantes: 1) Não há nada na internet que revele o autor das cartas; 2) Há mudanças estruturais importantes em quatro das cinco imagens apresentadas se comparadas ao padrão marselhês; 3) E uma gafe - o Tarot não teria sido usado como prática divinatória na época em que o filme é ambientado.

Quanto ao primeiro tópico, agradeço a quem descobrir alguma coisa. Me parece que manter o autor no anonimato faz parte de uma aura de mistério intencionalmente provocada.

Com relação ao segundo ítem, percebe-se claramente que na lâmina do Diabo falta uma personagem, um dos "escravos". A vítima do encanto é uma só, Frederik Pope. Na carta da Justiça, há a inclusão de um navio e da bandeira chinesa, além de umas figurinhas que nos remetem aos cardeais presentes no desenho original do Papa, no Tarot marselhês. No Enforcado, falta meio cepo de uma das árvores laterais. Na carta da Morte, há uma cidade ao fundo. Observem as imagens no post anterior. Não consegui reproduções de qualidade mas é nítido que foram inspiradas no Tarot de Marselha.

Sobre a questão histórica, afirma-se que o Tarot não teria sido usado antes 1781, século XVIII, como prática divinatória. Eteilla teria sido o responsável pelo uso do Tarot para a adivinhação, alavancado por Court de Gébelin, em Monde primitif. O filme é ambientado em 1681, século XVII. Temos aí então um hiato de 100 anos. Como a história do Tarot não é minha melhor praia, recorri a quem saca do riscado - minha amiga Erika Hirs.

Erika me diz que as pesquisas mais recentes afirmam o mesmo - antes de 1781, nada de Tarot adivinhatório. O máximo que podia existir seria a leitura de uma carta, como na bibliomancia, mas nada de adivinhações estruturadas.

Antes disso, as cartas de Tarot eram utilizadas como jogo e também como método mnemônico, didático. O Sola Busca, por exemplo, um Tarot militar, era usado para ensinar a história de Roma. Também existiam os tarocchi appropriati, composições feitas com base nas cartas, como as de Boiardo. Se houve uso divinatório antes de Eteilla, é provável que uma carta fosse retirada do maço para conselhos, como a prática de abrir saltérios e bíblias.

Raciocino: quer dizer então que antes de 1770 existia uma prática correlata à "carta do dia"? Curioso. Se as cartas comuns já eram usadas para a adivinhação e se existia o costume de se tirar uma carta do Tarot como conselho, será mesmo que o Tarot não teria sido usado para adivinhação, mesmo que de forma não-sistematizada, antes de 1780?

Erika me responde que em 1519 existe o registro de um "ritual mágico" que Rolando - de Orlando Furioso - teria feito com cartas de baralho comuns para descobrir os inimigos de Carlos Magno. E no século XV, um livro alemão oracular que acompanhava as cartas comuns. Em 1540 sabe-se de um método de divinação usando só as cartas de moedas.

Eu e Erika concordamos que seria possível que as cartas de Tarot fossem utilizadas ainda antes de Eteilla. Mas como não há provas, considera-se que só após 1780 as cartas teriam sido realmente deitadas com intuito divinatório. Esperemos as novas descobertas.

Enquanto isso não acontece, é bom levar em consideração que uma obra de ficção, apesar do imperativo da verossimilhança, é uma obra de ficção. E a beleza do filme Violino Vermelho, na minha opinião, supera suas possíveis gafes.




Zoe de Camaris

psiu: se você quer conferir as informações, verifique os seguintes endereços

4 comentários:

Clau disse...

Meu anjo, como ficou bonito teu tarot!

Gostei, simples e elegante.

Beijos saudosos

Anônimo disse...

Querida Zoe,

Finalmente posso deixar aqui um registro do quanto me faz bem, a leitura de seu blog. Nele, eu aprendo, viajo, me deixo levar por seus pensamentos e seu observar. Não demore a nos presentear com mais um exemplo de sua capacidade de (re)contar histórias! Eu também gostei muito do filme...Penso cá com meus botões o que você diria de Mulholland Drive(David Lynch).

Um beijo,
Arnild

Anônimo disse...

Ficou lindo como a dona. E o texto tá ótimo. Beijoca.

Anônimo disse...

AMEI seu blog. Delicioso de ler, eu que amo tarô, achei que ele é um presente. Abraços.