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Na carta da Imperatriz subjaz o modelo ancestral da Mãe-Natureza. Há um diálogo direto, imanente. Seu cetro, o trono, a coroa, o escudo que contém a águia lhe entroniza o poder do feminino. A beleza e a maternidade, a regência venusiana e lunar.
O poder de expressão, o estalo criativo, talvez ainda sem direção definida. Alguns autores afirmam que o processo de gestação estaria mais explícito na Sacerdotisa e que só eclodiria na Imperatriz. O arcano 3 contém o arcano 2, se nos detivermos na idéia de “trunfo” – o arcano seguinte combate e vence seu predecessor.
Ali está a idéia de Amor, da generosidade. Mal aspectada pode indicar a face negra, a Mãe Terrível, o abuso do poder então matricêntrico - a manipulação, a frivolidade e a vaidade exarcebada. Intensa como a Natureza. É a tempestade e o cataclisma, literal e metafórico. Há ambigüidades, enigmas na imagem da Senhora dos Tempos, assim como em todas as cartas que foram pintadas e idealizadas pelo lampejo de um mestre e a pena de uma mulher.
O que poderia indicar que o fruto no arcano III não está disponível seriam as cartas com que a Imperatriz dialoga e a referência tomada da pergunta feita. Nunca só ela mesma. Pois não há “tempo”, como assim o conhecemos, em uma carta de Tarot. Não há presente, passado e futuro no inconsciente. Nós, tarólogos, somos quem o delimita.
Estávamos discutindo Arcanos Menores. A Imperatriz só compareceu aqui porque a afirmação de que no arcano III o fruto não está disponível me soou estranha. A Imperatriz sabe que o fruto acontece em todos os tempos.
Se o conceito é o que norteia a imagem... Será o Tarot uma obra de Arte Conceitual? Legal a idéia.
Na definição de Sol LeWitt, “na Arte Conceitual,a idéia ou o conceito é o aspecto mais importante da obra. Quando um artista usa uma forma conceitual de arte, significa que todo planejamento e decisões são tomadas antecipadamente, sendo a execução um assunto secundário. A idéia torna-se na máquina que origina a arte”.
O resultado final na arte conceitual é dispensável. Vale a idéia, que deve gritar de dentro da obra de arte. Que poderia ser traduzido facilmente em palavras com o recurso de metáforas e da ironia. Mas o suporte aqui não importa.
Uma carta de Tarot não pode ser captada assim. Arquétipos não podem ser contidos em palavras. Ou melhor, não num só recado. A imagem, com sua abertura sincrônica, talvez capture melhor o modelo ancestral pela sua intrínseca simultaneidade.
Definitivamente, Tarot não é Arte Conceitual. Mas está imerso até a cabeça na cultura pop. Nada há o que fazer quanto a isso, só lançar mão de nossos critérios para escolher o que nos agrada ou não - Kelly Key não destruirá os futuros amantes de ópera. O pagode não invalida a música clássica. Quadros de pinheiro pegando fogo, o grito do kitsh, não abolem a existência do Museu do Louvre. O Horóscopo não invalida a Astrologia. Por isso não temo o Tarot das Fadinhas, do Papai Noel, dos Gnomos Coloridos e de Outras Realidades.
Certos tarots são brinquedos e não armas. É a diferença entre um revólver de sabão e a nitroglicerina pura.
O que eu também não entendo é o seguinte: porque usar Tarots de casais transando e crianças correndo se a imagem, nesses casos, se colocam contra o “conceito” no qual se valida, se crê, se acredita?
Diz Ernst Cassirer que a gênese das palavras vem de imagens que iluminam, deuses fugazes e instantâneos.
Definir essências pode ser um sinal de agonia. Foi isso que Jor-El fez quando Krypton ia acabar. Há que se saber quando colocar borboletas em caixinhas. Mitos são destruídos porque seu tempo acabou e não há mais quem os transmita. A estabilidade é mantida pelo câmbio, lembrando Crowley e também o chavão básico da Roda da Fortuna: a única coisa que permanece é a mudança. Sem a troca, o ponto que aumenta o conto, acabou-se a história.
E a História do Tarot é uma história de transformações. Quem tem a razão? Aliette, o maluquete, Eliphas Levi, o monstro da magia, Crowley e seu novo Aeon? Cadê ela, a verdade? Eu acho que vi um gatinho...
O que seria então desconstituir imagens num universo de imagens? Houaiss: desconstituir é desfazer, tirar os “poderes outorgados”. Em bom português, tirar o poder da imagem. Um ato ousado. Que relevo tanto que estou aqui escrevendo uma terceira postagem - não há como desconsiderar essa idéia, no mínimo, polêmica.
A arena, Marcelo, possivelmente não foi bem escolhida - no que me desculpo. Talvez o debate caísse melhor numa lista de discussão ou no orkut, como dita a silenciosa regra que desobedeci. Assim, eu não teria causado a impressão de estar jogando um colega iniciante (que não é iniciante) na cova dos leões. O fato de ter colocado a minha opinião no blog também pode ter sugerido que eu tentei me promover em cima de sua idéia ou detonar contigo. Pra quem não me conhece.
E é claro que o Marcelo considera a imagem. Nossa conversa e os insights que teve ao analisar o jogo de posturas presente na imagem do Enamorado, foi esclarecedora. Um tarólogo precisa ser apaixonado por imagens, condição sine qua non para o trabalho. Isso é inquestionável. E Kirtan usa bem a imagem, o que se percebe claramente através do flyer que montou para seu Workshop, uma crítica sutil e muito bem montada ao meu post sobre o tédio. Me senti feliz por inspirar o desenvolvimento de um WS – e podem ter certeza que não estou sendo irônica, mas sincera. O cara é bom, não vou dar murro em ponta de faca. Desafios me inspiram e me incitam. E há o direito de resposta.
Reconsideremos então, Marcelo e todos os envolvidos na discussão, a montagem da arena. Parece que a montamos juntos. Não há cova dos leões.
Só para finalizar e voltando às questões teóricas, pois são elas que aqui importam, quando o Kirtan usa o título “Desconstituir Imagens”, quando afirma que “quando se trata de menores só existem conceitos” e que na Imperatriz o fruto não está disponível, eu continuo discordando e argumentando. Lembrando que objetivo de uma discussão não é convencer ninguém a nada, apenas espraiar diferentes pontos de vista que podem vir esclarecer questões importantes sobre esse baralho enigmático, sempre surpreendente e perplexo chamado Tarot.
Abraços para todos,
Zoe de Camaris