3 de junho de 2007

LIBERDADE PARA OS MENORES


Reconstituindo Imagens II

Em resposta aos comentários feitos à postagem anterior pelo Gian, Marcelo e Vera, tenho mais algumas reflexões. Antes, quero assinalar que não vou me esforçar em florear palavras, certa de que todos os colegas aqui envolvidos certamente concordam que uma discussão teórica dispensa mesuras e melindres. O que nos une aqui é o Tarot.

Só há um ponto de discordância: Marcelo Kirtan defende que o conceito sobrepuja a imagem. E eu discordo com veemência. Não pode. Se assim fosse, teríamos outra coisa, não um Tarot, sistema de linguagem essencialmente imagética que é. Reafirmo que gosto da contribuição de uma linha de compreensão teórica e unificadora para os arcanos menores. Mas que essa é só mais um função referencial e não o cerne da coisa.

Quanto ao que foi colocado pelo Gian e pela Vera nos comentários, tenho a acrescentar que o Tarot não é uma língua morta. É uma linguagem vivíssima e praticada em todo o mundo. Parece-me que não percebê-lo desta forma é cair na besteira de achar que processos de mudança indicam decadência, assim como acreditam os puristas da língua culta - fazendo aqui uma relação com a palavra escrita. Em todos os campos da vida humana mudança significa avanço, desenvolvimento. Deveríamos bater palmas para todos os artistas que se dedicam a repensá-lo. Milhares de tarots sendo publicados no mundo todo indicam evolução, pensamento em ação, troca de idéias. Fico feliz que o Tarot seja mote para a literatura, para as artes plásticas, para música, para arte. Ele nunca perderá sua aura, por mais que seja reproduzido e alterado. Não vejo nenhum problema que certos decks atendam grupos específicos ou demandas de mercado. Assim como o Tarot possui seu lado esotérico, pode ser usado exotericamente. Implico sim com certas saladas de gosto duvidoso, pretensamente herméticas, mas creio que seu potencial criativo não se limite ao que o nosso gosto ou crivo pessoal qualifiquem de bom ou de mau, verdadeiro ou falso. Dialetos, idioletos, linguagem de guetos, gírias, não modificam o nosso modo de falar?

Convenhamos: qual é regra que rege os arcanos menores? Primeiro, as interpretações foram criadas por cartomantes e os significados, compilados com acréscimos de outros. Depois Waite e Crowley lançam mão do Picatrix, antigo manuscrito árabe, da Astrologia e da Cabala para CRIAREM um universo de possíveis correspondências para os arcanos menores. Ou seja, não existe uma “tradição” propriamente dita. Existem tarots mais antigos que outros e também “leituras” sobre os arcanos menores. Pamela Smith foi buscar inspiração no 3 de espadas do Sola Busca, por exemplo. E o que tem no Tarot que explica a história de Roma que seja fundamental para o “conhecimento secreto”?

Digamos que ao contrário dos maiores, onde podemos identificar a simbologia tradicional (as virtudes cardeais, por exemplo), os arcanos menores são um prato cheio para a criação e diversidade. Nesse sentido, a palestra do Kirtan é um acréscimo: uma proposta estrutural e básica de entendimento dos menores. Mas assim como todas as leituras, é apenas mais uma possibilidade de interpretação que elege a Cabala como regra fundamental - aquela que preservaria uma possível essência das cartas. Mas conseguiria a Cabala preservar a essência das imagens? Tem como conceitos deterem a explosão de idéias que espocam a partir de uma imagem? Sim, de alguma forma, se elas fossem redesenhadas a partir desta idéia motriz. Mas assim como estão, no Waite e no Crowley, não é o que acontece. Cada um fez como lhe pareceu e essa é a única regra, mesmo que tenham lançado mão de estudos da ordem a que pertenciam.

Se os arcanos maiores e os menores fazem parte de estruturas e sistemas distintos, se existem regras para os maiores que estão inscritas na tradição, o mesmo não parece acontecer com os menores. Ainda não me mostraram nenhum pergaminho que consiga absorver e traduzir toda essa diversidade. Crowley explica Crowley, Waite explica Waite, Manara explica Manara e Osho explica Osho.

O que dita a regra é o baralho escolhido. Ou então cria-se um tarot que traduza o que você pensa do Tarot (esotericamente ou artisticamente) e ele será, melhor ou pior, apenas mais um conjunto de cartas que será escolhido por pessoas que pensam concordam com o seu modo de ver a vida.

Por isso não uso Tarots que considero apenas como peças de coleção para as leituras. Escolho os baralhos que falam comigo. E respeito o que eles dizem. Segundo o que entendi da palestra do Kirtan, a idéia estaria "sobre" a imagem e não subjacente a ela. E se a imagem lhe disser algo que não corresponde ao que ele reconhece como sendo a essência ideal de cada carta, o que valeria é o conceito. Eis aí mais uma vez, o ponto fulcral de discordância.


Se assim fosse, ao invés de darmos um passo para frente daríamos um passo para trás. Reduziríamos o Tarot a conceitos. Para tanto, bastaria um conjunto de cartas com números de 0 a 22, mais um de conjunto de 4 séries de 1 a 10 e também de pajem a rei, estes só com o nome estampado. Para que serve a imagem se podemos dispensá-la?

Não, Kirtan, não dou um tiro no pé como professora, pois minha função não é ditar regras mas sim demonstrar um processo de compreensão do tarot que julgo bastante eficiente, apresentar as melhores bibliografias e discuti-las, e faciltar aos alunos a escolha de um deck adequado. Recomendo o que considero mais confiável mas também apresento conjuntos curiosos. Para que eles exercitem antes de qualquer coisa a sua imaginação e se abram para o processo intutivo, pois, sem ele, não se lê o Tarot.

Livrinhos de regras têm um monte por aí. Zil cartilhas. A gente só aprende a escrever depois que sabe falar. E só aprende a estudar depois que aprendeu a escrever. Manter a ordem dos fatores aqui, garante o produto final.

E depois, acho engraçado que você, Marcelo, na defesa de uma postura mais racional de entendimento dos menores, peque exatamente num total não-entendimento da prática do discurso científico quando diz: "Zoe, não tenho a menor intenção de “convertê-la” para o que eu imagino ser a forma correta de se interpretar as cartas, até porque, se dá certo para você, o que eu tenho a ver com isso?".

Puxa, Marcelo, achei que estaríamos debatendo um assunto teórico para o qual são necessárias boas doses de isenção e de abertura para discussão, além de interesse por outros pontos de vista. Por isso pedi que argumentasse. Em nenhum momento compreendi que você estava tentando "converter-me" a algo, que coisa absurda. Viagem de Hierofante.

E eu tenho a ver com o que você pensa sobre o Tarot sim, porque o considero capaz e talentoso. Não discuto com quem não admiro. O que nos interessa é sempre o que nossos pares pensam. O rio que corre perto da nossa aldeia. Espero que a recíproca seja verdadeira e desconfio que sim, senão meus artigos não poderiam ter servido nem para lhe inspirar algumas sacadas sobre o mesmo assunto. Portanto, é claro que você tem a ver com que eu penso sobre o Tarot. Eu, Gian, Vera, Alexsander, Alexey, e por aí vai. Somos profissionais discutindo. Caramba, não estou “atacando” seu trabalho. Só mostrando claramente que discordo quando se coloca o conceito "antes" da imagem.

E eu não disse que o conceito deve morrer. Apenas que não se deve partir dele quando se tem frente aos olhos uma torrente de estímulos que acionam diversos sentidos e conteúdos. Conceito não tem cor, carta de Tarot tem. Conceito não tem contorno, conceito não tem cenário, conceito não tem personagem.

A importância dos conceitos é inegável. Esquecê-los, um passo para ignorância ou para uma mera leitura de "salão". Nós, como professores, devemos facilitar a vida do sujeito, apontar os caminhos, abrir possibilidades de analogia e paralelos. Mas cada coisa na sua hora. Não só no processo de aprendizagem como também no processo prático de leitura das cartas.

Quanto às papisas sensuais e aos leões estrangulados, compreendo perfeitamente. Não uso Tarots com papisas sensuais e nem leões estrangulados. Mas se o meu aluno eleger esse tarot como aquele que lhe fala à alma, está no seu direito. Ele foi apresentado e conhece o que se considera como tradicional.


Ontem, experimentei uma leitura com o Tarot de Mantegna que foge radicalmente da estrutura tradicional, embora seja "tradicionalíssimo". Perfeito para quem não gosta de diabos e torres incendiadas. Foi levíssimo extrair significados de Vênus, da Poesia ou do Gentil Homem. E os números ali, fazem algum sentido?

Ganhei de uma consulente há alguma semanas o Tarot do Senhor dos Anéis, em alemão. Ok, já teria como seduzir adolescentes loiros na porta do Instituto Gothe. Mas por mais que tenha achado legal, jamais irei usá-lo em uma leitura. No máximo, ver se a Jornada do Herói se encaixa nos arcanos maiores. No entanto, a generosidade de minha consulente também me brindou com um Visconti-Sforza com o laminado dourado e um tarotée esplendoroso. Já sei que vou passar dias e dias com ele e quando menos esperar, estará na minha mesa de leitura. E nessa hora gostaria muito de ter estado na palestra do Kirtan pois ela me ajudaria diretamente com os menores de padrão abstrato.

Impossível ler uma grande diversidade de Tarots? Bem, ouso dizer que pra mim não, desde que o desafio elegesse algum tarot razoável e que ele resolvesse falar comigo. Conheço a simbologia dos maiores e os menores me ditariam, segundo suas imagens, o complemento da história. Ou eu teria que ficar pensando em outra coisa? Hum, esse três de espadas tá muito lindinho, cheio de florzinhas, mas eu sei que no fundo ele é triste...ferrou.

Quanto a questão hipotética proposta: "Se alguém perguntar no Orkut o que significa um Papa com um 7 de Espadas eu devo perguntar qual baralho ela usou para dar uma resposta? Se ela usa um baralho que eu não conheço, devo abrir mão de interpretar a jogada?" lhe respondo sinceramente, Marcelo, que não gosto disso, tanto é que não participo ativamente. Primeiro porque o momento em que a leitura acontece dita parte do jogo. Há uma série de questões envolvidas, inclusive a escolha do baralho. A interpretação dada por um tarólogo é única. Um outro tarólogo reinterpretá-la pode ser um caminho certo para o erro.

Lanço então uma questão hipotética também: Marcinha vai jogar para Joaninha. Joaninha abre seu coração para Marcinha. Mas Joaninha não sabe que Marcinha teve um caso com seu namorado na semana passada. Podemos levar em conta a leitura de Marcinha para Joaninha e interpretá-la seriamente? Nós não sabemos que Marcinha é fim do namorado da Joaninha... Portanto, colegas, quando vejo essas interpretações sempre penso que elas contribuem para a discussão acerca dos significados das cartas, mas que talvez não ajudem adolescentes ansiosos. Não se sabe se houve uma concentração mínima na hora de deitar as cartas, não se sabe que baralho foi usado, não se sabe de nada. Só temos uma combinação de cartas e uma enorme vontade de acertar.

Com relação ao exemplo do 9 de ouros não vou nem entrar no mérito da questão. Primeiro que, embora não me faça a cabeça, nada impede que uma relação a três seja madura. Segundo que se Frieda Harris associou esta idéia ao 9 de ouros através das égides dos amantes, o significado está lá para que possamos lançar mão, se assim a nossa intuição indicar.

"Um símbolo evoca uma idéia, o que os ilustradores pintam são imagens que orbitam ao redor do símbolo que podem ter mil e uma significações. Retratando apenas uma parte desta órbita o conhecimento fica reduzido e foge-se totalmente da profundidade inerente ao símbolo". Sim, Vera, concordo. Por isso gosto dos maiores de Marselha, tão ubíquos e misteriosos. Parece que tudo está lá, naquelas imagens toscas. Sempre que o comparo ao Waite por exemplo, vejo o quanto o marselhês é infinitamente melhor embora não tão bonito e colorido.


No entanto, certas idéias quase esquecidas e contidas nos arcanos menores podem saltar à vista como no 3 de copas do Housewives Tarot. E não é que o 3 de copas pode significar o nascimento de uma criança? Seja como for, não usaria o Housewives para nada, a não ser para brincar num chá de entre amigas. Mas fico felicíssima que esse produto exista: bem bolado, um projeto gráfico delicioso, e apesar da tiração de sarro, algo bem feito e com base em estudos, dá pra sacar que eles pesquisaram uma boa quantidade de tarots. E ele continuará enfeitando minha estante e saltará de lá sempre que eu queira "exibir" minha coleção. Só me serve à vaidade.

Quando a arte, a beleza estética, supera a simbologia, ESTANTE. Curiosidade. Esse é o lugar do meu Housewives e outros artigos de coleção. Então, falando agora com o Gian, quero que todos os artistas do mundo soltem enlouquecidamente sua libido no Tarot, criem seus universos paralelos, aproveitem o código aberto dos menores para suas viagens lisérgicas, demoníacas, malucas, absurdas. Pois este é o paraíso da Arte. Em se tratando da escolha do Tarot, devemos ser parcimoniosos, no que parece haver concordância.

Mas discordo quanto à redundância das discussões, Gian. Se não discutirmos estes pontos tão fundamentais para o entendimento da matéria, aí sim é que não chegaremos a lugar algum. A escolha é sempre de cada um, a liberdade nunca estará em discussão.

abraços apertados para todos,
Zoe

10 comentários:

Leo Chioda disse...

Zoe, foi por meio da frase do Oswald de Andrade que nossas analogias e pontos de vista começaram a dialogar, autêntica e criativamente. Acompanhando o primeiro post, senti a real necessidade de uma argumentação sadia, agora bem explícita neste segundo.

Eu mesmo já pensei que, se eu tivesse várias tiras de papel em e estruturasse os 78 arcanos, teria um baralho em qualquer lugar, porque saberia interpretar. Prático, não? Mas pra quê ter determinado baralho se eu posso adquirir o "conhecimento global" do tarot e fazer um instantâneo a qualquer lugar com uma folha sulfite? A LoScarabeo e a U.S. Games estariam na maior pindaíba, imagine.

Por outro lado, é necessário conhecer todo arcabouço simbólico através de livros, palestras e estudos sérios pra poder ter o fundamento lógico quanto à estrutura do oráculo. Concordo que a liberdade de expressão, aqui direcionada para as concepções artísticas, devem continuar sempre. Elas contribuem para a cartomancia assim como para a arte, mas tarot tem que ser tarot sempre, senão realmente se tornaria outro sistema de cartas.

Baseando-se no profissionalismo, na concisão e na seriedade para com nosso instrumento de trabalho, parabenizo a intenção de argumentar amistosamente sobre questão. Dialogar é importante e faz toda a diferença.

Olhos livres sempre,


Leo

Alexey Dodsworth Magnavita disse...

Zoe,

Todo esse papo me é deliciosamente familiar, pois gira em torno de problemas filosóficos muito antigos.

Platão defendia a firme idéia de que existe um mundo das essências, sendo que NOSSO mundo não passa de uma pálida cópia das tais essências verdadeiras. Em seu desejo de criar uma sociedade perfeita, ele escreve "A República" e, adivinhe? Expulsa de sua sociedade ideal os poetas e os artistas.

As razões de Platão ao fazer o que fez são coerentes com sua proposta: se vivemos num mundo de cópias, o artista é aquele que cria uma cópia dentro da cópia. Se o mundo é falso, o que o artista cria é a falsidade dentro da falsidade.

Então eu vejo uma defesa do Tarot como um conceito e o argumento de que as imagens podem causar confusão no estudante, em relação ao entendimento deste conceito. Esta é uma idéia platônica. E é SUPERplatônica, na medida em que os números são defendidos como mais fundamentais do que as imagens. Platão dizia que a matemática faz parte do mundo das essências verdadeiras.

Bem, eu discordo de tudo isso, apesar de considerar a validade do raciocínio. Discordo porque não sou platônico, não acredito em mundo das essências verdadeiras. Não acredito que o Tarot [e nem a astrologia] seja o resultado de uma PHYSIS, que seja algo "da natureza". Pra mim, o Tarot, a astrologia e todas as mancias são puro NOMOS, construções de linguagem do HOMEM. E se é o homem que cria todos estes sistemas como uma forma de autoconhecimento, pra mim é óbvio que há liberdade criativa para se criar novas imagens, novas cartas.

O que eu entendo como confuso é quando o artista pinta suas cartas sem seguir critérios. Quero dizer, com isso, que se o cara usa a cor verde por usar, não faz sentido. Crowley, ao criar seu Tarot, calculou milimetricamente o por que de cada cor, de cada imagem.

Não consigo conceber a idéia de um TAROT VERDADEIRO, ou ESSENCIAL, até porque, para mim, o Tarot se revela na vida, nas imagens da vida, o Tarot é algo vivo, que se revela [diferentemente, mas sempre coerentemente] através das imagens.

Minha preocupação se limita a Tarots que são criados "à toa", tipo "tarot das fadinhas", em que a preocupação com símbolos é pouca, ou nula.

Eu acho essa discussão muito boa, fértil e útil. O lance é que há posições filosóficas distintas entre os opinadores. Eu me sinto mais inclinado à sua, por ser - sem sombra de dúvida - um dos artistas expulsos por Platão de sua tediosa,infinitamente branca e perfeita República. Prefiro o teatro plural e criativo de Nietzsche que, aliás, se vale do Tarot ao dizer que devemos ser como loucos que dançam na beira do abismo...

Vera Chrystina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Zoe...

Tanto você quanto o Marcelo tem óticas ímpares de ver a vida, o Tarot, e seus conteúdos intrínsecos. Li os textos com atenção, e se me permite, gostaria de deixar meu ponto de vista. Sou um desconhecido em relação ao trabalho profissional com o Tarot, e mesmo não conheço você pessoalmente, ou sequer o Marcelo. Mas meu ostracismo não significa ausência de opinião, por isso me valho desta "liberdade" no teu blog, e deixar claro o que entendi com os acontecidos.

Creio que imagem e conceito não possam ser "vendidos separadamente". Vejo sim que uma imagem traduz um conceito, seja ela vista por uma ótica pessoal, seja vista por uma ótica coletiva. Mas afirmar o contrário é ilusório e irreal. Um conceito também pode ser traduzido em uma imagem. É algo complexo e filosófico ao se expôr, porém, vejamos como exemplo, a Confeitaria das Famílias da Rua XV, com alguma decoração espanhola, quadros de touradas e de apresentações de flamenco. A presença da decoração (imagem) e os quadros nos traduzem o conceito espanhol. Porém pode-se afirmar que o espaço, a decoração, é tradução do conceito da proprietária, em uma imagem.

Ainda não pude ir consultar Tarot com você, e se o fizer, tenho certeza que verei o que você traduziu na imagem do teu espaço pessoal, o conceito de Zoe. As fotos que vi de você me traduziram um conceito. Talvez minha mente tenha tido a liberdade de criar um conceito à partir das tua imagem, e talvez não seja o conceito certo. Pode ser que eu descubra que há divergências entre o que você é e o modo como você se traduz (em imagem) ser; logo, me sobra apenas duas alternativas. Ou sigo com a Zoe que conheço porque criei em minha mente, ou te conheço e valido (ou não) o conceito que você quis (voluntaria ou inconscientemente) passar.

Sei que vocês não estão brigando, apenas defendendo seus pontos-de-vista particulares. Porém isso deixa de ser um conceito que eu tenha criado, e de repente possa vir a me deparar com vocês literalmente "se estapeando" um ao outro? Resta-me apenas continuar criando com essas imagens! Risos!

Talvez pareça confuso, mas acredito que ambos estão partindo de conceitos particulares, mas traduzindo em fatos as mesmas coisas. Há um "meio termo comum". Afinal, você afirma para ater-se à imagem, e a tudo o que ela puder despertar ou veicular da intuição. Logo, você "conceitua" a imagem como foco de impulso. O Marcelo "imagina" o conceito como mola propulsora. É a imagem (imaginação) dele, e o teu conceito, frutos de uma mesma força motriz. São por si só independentes (Arcano VI - Os Amantes ou Os Irmãos), ou uma só, uníssonas (Arcano XIV - Arte)?

Em meio aos meus "achismos", por exemplo, eu conheci as lâminas do Waite e as achei completamente desprovidas de uma força inteligível que as tivesse criado. E conhecendo a história pessoal do Waite, vejo que não estava enganado. Ele foi um imbecil, ele rejeitou magia da vida dele, e no entanto usou seu ego como ponte particular para "chamar atenção" pra si mesmo. Adonou-se do conhecimento que ele recebeu na Golden Dawn, e publicou como se fosse dele, como se as descobertas fossem particulares, dele. Está documentado, na própria literatura dele isso pode-se perceber. Logo, as cartas que ele criou estão impregnadas de sua imprestabilidade mágica, eu mesmo acho elas ridículas. São imagens que criam em minha mente o conceito de ridículo. No entanto, há quem as use, há quem as considere mágicas, há aqueles pra quem aquelas pobres imagens traduzem liberdade de pensamento. Traduzem atitude. Traduzem irreverência. Tenho eu o direito de contradizer a fonte criativa dessas pessoas?

O fundo de tudo isto se torna psicológico. No entanto, vocês parecem ser nutridos de potenciais únicos. Os meios divergem, mas chego a conclusão que nem tanto assim...


Um abraço

Adriano

Alexsander disse...

Oi Zoe, e pessoal! A meu ver imagem e conceito são inseparáveis e fundem-se sendo partes de um só ser, de uma só coisa.

Uma imagem serve para ilustrar algo, trazer uma mensagem, de forma simbólica, rica e viva. Portanto quem a cria tem alguma inspiração e se baseia em algum “conceito”, alguma “ideia”. Esse conceito-ideia em si só, sem ser retratato de forma imagética, sem ser alegorizado, é limitado e pode não ser acessível a todos. E qdo alegorizado ele se desdobra e desaborcha ao penetrar a mente e a alma de que o vê fazendo com que se desenvolva, cresça e evolua.
O que penso é que a ideia do Marcelo em propor a desconstrução das imagens é que para possamos entender que ela vem de algum lugar, que representa uma ideia. Que se a imagem em si é alma o que a cria é o seu espírito, e portanto não seria destruí-las mas ir mais fundo nelas.
A Liberdade de (re)criação do tarô, de ele ser repensado e reconstruído é utilizada de forma demasiado arbitrária por muitos que se limitam a criar não um baralho que reflita uma ideia pessoal válida e com fundamento e coerência simbólica mas sim “qualqer coisa”.
Viva a Liberdade de criação de imagens! Viva o casamento tarô e arte! Mas com coerência e limite, pois sem isso tudo se desmancha e morre!
É verdade que Pamela teve mais liberdade de criação dos arcanos menores que nos maiores no baralho de waite, pois esse mesmo menosprezava e muitos nossos 56 amiguinhos, porém ela se baseou em uma ideia e um conceito para as ilustrar. O Sola Busca foi a fonte de inspiração do 3 de espadas, da rainha de espadas do oito de ouros, entre outras, como as suas próprias ilustrações para peças de teatro e livros também o foram, porém ela as escolheu inserindo-as num contexto, numa ideia. Um não sobrepõem o outro, a meu ver.
Joseph Campbell diz, numa de suas entrevistas, “Interpreting Symbolico Forms” (Interpretando formas simbólicas), onde comenta acerca da destruição do mito pela sua interpretação literal, que ao tomarmos o mensageiro pela mensagem essa está perdida.
Não confundamos Tarô com Taroco! Taroco é um baralho para fins lúdicos, exclusivamente lúdicos. Onde temos galos nos enamorados e tanques na papisa.
Os arcanos menores são observados na ótica de várias escolas? Os maiores também. Não tiveram imagens nos baralhos clássicos? Mas representavam ideias, portanto há por onde se criem imagens, o problema é que muita gente pensa é que se pode criar qualquer coisa a partir deles sem que se respeite seu sentido, sua posição na estrutura, sua ideia.
Sou a favor da liberdade de criação desde que essa seja coerente dentro da realidade do tarô sem se perder em devaneios pessoais (que é bem diferente de visão pessoal) pois assim matamos o tarô. E como vc disse, pantera, ele é uma linguagem viva… ;o)
E que esse debate se desenvolva !

Besos!

Anônimo disse...

Furo meu! Coloquei a minha resposta no post anterior.

Alexsander disse...

só para ilustrar... waite, papus e esse pessoal do século XIX foram bastante influenciados pela escola de etteilla, chegando, por vezes, como Papus, a transcrever textos na íntegra de livros do Alliette em suas obras sem mudar sequer uma palavra.

Lilian disse...

Ao fim e ao cabo, estamos diante da velha discussão: imaginação e razão, prosa e poesia... quem se sobrepuja? Talvez nenhuma. Então, sentir, intuir, entregar-se à estesia, deve ter um valor semelhante ao pensar, conceituar, racionalizar. Abraços a todos e todas.

Zoe de Camaris disse...

O Professor Constatino me enviou duas mensagens relativas ao debate e me autorizou a sua publicação.
..................

Zoe,
apreciei a força que você dá aos seus argumentos e acredito ter compreendido bem o que você defende. Mas devo confessar que, embora não conheça o Marcelo pessoalmente e tenha apenas recebido informações do que ele pensa através dos comentários que você fez, reconheço sua validade.

Isso posto, poderia contribuir com duas afirmações radicais, extremas, opostas entre si, para recolocar o tema:

1ª - "O tarô é um jogo de cartas, com origens vagas, sem textos explicativos. Surgiu num mundo medieval, tacanho, dogmático, atrasado. Hoje, com plena liberdade, num momento mais lúcido, mais evoluído, mais culto, mais científico, temos muitas explicações consistentes dos significados desse jogo, que abrangem diferentes ângulos e sentidos".

2ª - "O tarô é fruto do trabalho de escolas que estavam a serviço do conhecimento mais alto, do sagrado. Dada a crise espiritual do mundo moderno, estamos cada vez mais afastados da fonte e, desse modo, mergulhados numa confusão sem saída. O transmissão do tarô, portanto, sofre esse mesmo desgaste coletivo, no qual os egos tomam o lugar do servir, as fantasias subjetivas o lugar da verdade".

Acredito que essas alternativas, ainda que simplificações grosseiras, estão por trás de todas discussões das pessoas e dos estudiosos bem-intencionados.
Aquele que se identifica com a primeira alternativa, valoriza os baralhos modernos, que considera criativos, bonitos, explícitos, chamativos.
Aquele que se identifica com a segunda alternativa, valoriza os baralhos mais antigos, que considera mais próximos da fonte, mais rigorosos e fieis aos ensinamentos a que serviam de veículo.

Sim, tem uma terceira alternativa para justificar as alterações iconográficas: seria a de atualizar a linguagem, tal como se faz com os textos sagrados, que são retraduzidos para as línguas modernas, no perfil em que se encontram em cada momento de sua história. Mas ainda aqui, persiste o impasse das duas afirmações contraditórias. Quem garante que dispomos de especialistas da linguagem original do tarô, verdadeiramente aptos, para traduzir essa herança com fidelidade, sem reduções e sem adições subjetivas?

A sua página continua linda.
Boa sorte para todos nós
e um abraço do Constantino

..........
Segunda Mensagem:

Zoe,
minha posição não é a de que não existe uma verdade. Muito pelo contrário. A intenção das duas frases era dramatizar as dificuldades para chegarmos à verdade neste preciso momento em que vivemos. No fundo, acredito, todo o problema está em nossa deficiência de apreciação (nossa falta de alinhamento vertical), que não consegue distinguir os diferentes níveis de qualidade. Na ausência de um conhecimento real, ficamos à mercê de nossas reações subjetivas e do encanto pelas fantasias.
Para meu "gasto pessoal" encontrei muitas inspirações no trabalho de René Guénon, em sua A crise do mundo moderno (num panorama geral) e no de Valentim Tomberg, o anônimo autor de "Meditações sobre os arcanos maiores do Tarô".
Fique à vontade para utilizar, como bem quiser, essa nossa breve troca, sem necessidade de prévia aprovação. Confio em sua boa intenção.
Um abraço do Constantino

Zoe de Camaris disse...

Colegas,

Estarei fora do ar por alguns dias por motivo de viagem e de saúde de um familiar. Assim que voltar, desejo escrever um novo post na tentativa de repensar a questão a partir dos comentários feitos.

Já volto,

abraços,
Zoe