21 de fevereiro de 2008

A RODA


The Wheel of a Fortune by Degare



Habito numa roda.
Dou-me conta disso
segundo as árvores.
Sempre que olho pela janela
vejo-as:
quando, as folhas no céu,
quando, as folhas na terra.


E segundo os pássaros,
que voam
com uma asa para o sul
e com uma asa para o norte.


E segundo o sol,
que me nasce
hoje no olho esquerdo,
amanhã no direito.


E segundo eu,
que ora sou,
ora não sou mais.


Marin Sorescu

13 de fevereiro de 2008

De Copas para o Mundo


Etruscan Tarot
Sempre tive dificuldades com a Rainha de Ouros, porque não a conhecia. Como vocês sabem, ela é o resultado da integração da Rainha de Bastões (Paus), Taças (Copas) e Gládios (Espadas). É Ouros que se faz ver no mundo físico. Sou, essencialmente, Copas. Bate primeiro na emoção ou então não funciona. Os sentimentos acionam Espadas, preciso escrever sobre o que sinto. Então afio minhas lâminas.


Bastões é minha persona. Minha máscara é solar, acesa, intensa. Mas trabalhar a Rainha de Bastões é beeeeem diferente do que aparentá-la. Por fora é rubi, por dentro é prata.


Pois bem. Em torno de agosto de 2007, a Rainha de Bastões chegou valendo. A sensação era a de estar tomada. De dentro pra fora, de fora pra dentro. As Espadas imediatamente arrefeceram, o que me assustou bastante. Como ficar sem escrever? Esquecer meus livros, os estudos, as anotações ao pé das páginas, a rotina? Bachelard, a imaginação? Você está tomada. Corri no homeopata. Tomei phosphorus e fosfosol. Geléia real. Mas geléia foi o que virou minha cabeça. Demorei para me conformar, confortando-me com a fala de meu amigo Alexsander: - Calma, pantera. Você está vivendo outro momento, colhendo experiências."Cê já volta".

Não tenho como escrever no piloto automático. Como disse, sou de Copas. Só escrevo se sinto. Mas sentia e sentia muito. Só não atingia a magia que opera percepções em palavras. A libido escorregou todinha para outro lugar. Aí alguém pode me perguntar, mas e os textos técnicos? Sim, preciso uma fisgada no coração. Ou não acontece nada que possa transmutar-se em pensamentos, algo que me sustente. Algo que se sustente. Assim, depois de meses em debate com a ausência repentina da Rainha de Espadas, resolvi relaxar e deixar então que a Senhora de Bastões dissesse ao que veio. E ela me disse. Se disse.


A vida ficou mais intensa. As artérias começaram a pulsar de outra forma. A tal Mulher Selvagem da Clarissa Pinkola Estés. Não foi dificil começar a enxergar no escuro mesmo com todo astigmatismo. Potnia Therion na linha. Vibrações diferentes. Semi-tons que eu nunca tinha vivido. Arrepios. Nossa Senhora. Cada poro foi acionado. Os perfumes ficaram mais fortes, as cores idem. O paladar apurado anunciava que a mais poderosa das Rainhas me espiava, detrás de alguma montanha.


Gradativamente, a Senhora de Ouros se aproximou como quem não quer nada. Devagarinho, para não assustar. Mesmo mãe de duas filhas, Deméter nunca foi minha praia. Essa coisa de excesso de vegetação. De opulência. Resisto. Minha saida para Deméter sempre foi Perséfone, a Virgem, aquela amiguinha de Plutão. Mas maturidade é um fato, mesmo com a resistência moleca - chega uma hora, olha-se a palmatória. Mesmo que você não dê sua mão a ela. Ou foi ela que não lhe deu a mão?


O ápice rolou numa trilha, o (inumano) Caminho do Itupava. Copas reclamou, Espadas torceu o nariz (mesmo!), mas a força de Bastões estava lá. E a Rainha de Ouros foi trilhando ao meu lado sobre as pedras, atenta a cada passo, a cada poça de lama, a cada flor. Yellow brick road com brilhantinhos para o meu amor. Terra. E fui recompensada por um banho de cachoeira onde não havia mais nenhuma Rainha.


Só eu mesma. E a água.




Zoe
p.s.: se alguém disser que o pensamento é o que aciona o sentimento, eu posso concordar. posso aceitar também que é necessário uma fagulha para acender o coração. mas em se tratando de palavras, pra mim é diferente.