27 de abril de 2024

Como escolher um bom profissional de Tarot?

Algumas considerações sobre a prática do Tarot no Brasil, suas linhas de abordagem e sobre a escolha de um tarólogo que responda à sua demanda.

Reconheço três fases do desenvolvimento do Tarot no Brasil, a partir do momento que comecei a estudá-lo, em 1983.


1) Antes de 1980, o Tarot é visto exclusivamente como uma arte oracular. Seus praticantes, não raro, demonstravam vínculos com a Umbanda ou as cartas são deitadas por cartomantes sem ligação com religiosidades. Também são utilizadas para a prática divinatória as cartas do baralho comum ou o baralho de Mdm. Lenormand. Os estudos esotéricos estão relegados às escolas iniciáticas ou à ação autodidata;


2) O Tarot passa a ser mais conhecido pelo público após o boom esotérico dos anos 80. Antes dessa data, a maior parte dos estudos publicados no nosso país restringia-se a poucos livros e a bibliografia em língua estrangeira;


3) No fim dos anos 80, início dos anos 90, o Tarot começa a ser reconhecido como um instrumento auto-reflexivo, inciativa perpetrada, principalmente, pelos sanyasin, discípulos do Osho, que traduziam livros americanos e ingleses para suas oficinas. Essa iniciativa causa uma mudança necessária e bastante significativa para os estudos sobre o Tarot no Brasil. A bibliografia começa a aparecer, e acontecem alguns cursos isolados. 


4) Nos anos 2000, as listas do YahooGroups promovem boas discussões que continuam na época do Orkut e depois, no Facebook. As redes sociais facilitam encontros entre os praticantes e os mecanismos de tradução permitem que aqueles que não praticam línguas estrangeiras tenham acesso ao material publicado na Internet.


Para um tarólogo que faz dessa arte sua profissão, é sugerido que conheça as três vertentes do Tarot: a prática ocultista, a divinatória e a de auto-conhecimento.


A prática ocultista do Tarot é vinculada às escolas esotéricas, como a Golden Dawn, a Gnose, à Maçonaria. Seus autores mais conhecidos são Stanislas de Guaita, Eliphas Levi, Papus, Edward Waite e Aleister Crowley. São aventadas aí as relações do Tarot com a Astrologia, com a Geomancia, com a Cabala, o conhecimento profundo da carga dos números. Temos também a Alquimia, a riquíssima arte da transformação, com suas imagens estimulantes e etapas do processo alquímico. 


Na minha experiência me servi bem das estruturas propostas pelas ciências da magia. E aprecio bastante da linguagem cifrada, porque ela ativa meu entendimento e a minha imaginação. 



No Tarot de autoconhecimento são diversos os autores e comentadores que se apóiam nas contribuições da psicologia em geral, como a de viés analítico, a de Carl Gustave Jung. Procedimentos da PNL, Programação Neurolingüística, e técnicas de escuta ativa são algumas dentre inúmeras outras possibilidades de cruzamento.


Normalmente, quem gosta de Tarot também lê sobre Psicologia, e comigo não foi diferente. Alternava a leitura de tudo que me caia às mãos com os livros sobre Contos de Fadas e Mitologia, de autores como Marie-Louise von Franz, James Hillmann, Esther Harding. 



A prática divinatória é, ainda hoje, a que mais atrai consulentes desejosos em especular seu futuro. Há muito charlatanismo nessa facção – “trazemos seu amor de volta em um dia”, “com 3 mil reais à vista vamos resolver seu problema de impotência através das cartas”, entre outras coisas engraçadas mas se mantivermos os olhos abertos é possível perceber que a prática irresponsável e o abuso de poder também cercam o mundo “ocultista”, onde talvez, o perigo ainda seja maior. 


Outros aderem a uma espécie de pseudo prática de autoconhecimento e aconselhamento, nem sempre levada a cabo de forma efetiva. As leituras de Tarot costumas ser sazonais e a prática da Psicologia requer acompanhamento e suporte ao paciente, coisa para qual o tarólogo, grande parte das vezes, não está habilitado.


Bem, o que nos confere algumas certezas? Praticamente, quase nada. A escolha de um bom tarólogo ainda funciona bem pelo método antigo – a recomendação. No entanto, o que é bom para um pode não ser bom para o outro, o que pode acontecer com o atendimento médico ou com o encanador que fez maravilhas na casa de sua amiga e acaba estourando toda sua cozinha. Conclusão que nos leva novamente ao ponto de partida. 


Nas redes sociais é possível perceber, para um olhar mais atento, quem são os profissionais de leitura simbólica que levam sua profissão a sério. Observe se as postagens demonstram repertório em outras áreas de conhecimento e se existem registro de alguma leitura aberta ao público, onde você possa verificar se a forma dele/dela trabalhar faz sentido para você. O marketing selvagem, aquele que promete mundos e fundos, na minha forma de perceber, desmerece o profissional. Mas vai saber, né? Pode ser preconceito da minha parte. 


O que nos confere algumas certezas num terreno tão subjetivo como a prática tarológica?


Aventam alguns, a institucionalização da profissão de tarólogo. Outro problema. O Tarot está intrinsecamente ligado ao pensamento mágico, à poesia, ao oráculo. Como institucionalizar o trabalho de um analista de símbolos? Não é possível estabelecer um código de ética com uma prática que lida com o sorteio. Teria uma ética, o “acaso”? E se existisse, seria uma ética humana ou sobre-humana? 


O Tarot é uma arte da imaginação. E sem a carteirinha de tarólogo, homologada sabe-se lá por quem, seria caçada a cartomante que atende nos fundos de casa para completar a renda da família? Deixa a pessoa trabalhar em paz. 


O que validaria alguém que trabalha com o Tarot? Como escolher um tarólogo com alguma margem de acerto? Então vamos lá: 


Primeiro, que faça uso das cartas tradicionais, os 78 arcanos menores e maiores. Em segundo lugar, que conheça a iconografia pertinente e sua relação com outros sistemas de pensamento. Que seja uma pessoa culta, sim, já que a leitura do Tarot pressupõe algum trânsito pelo espírito do seu tempo. Que possua a prática necessária para poder cobrar pelo trabalho, assim como qualquer outro profissional.


Nós, os tarólogos, sabemos da importância crucial do poder imaginativo e da intuição. Que sem esse aparato do espírito, de nada adianta o conhecimento racional. E isso não pode ser medido – ainda não inventaram o intuitômetro. Olhar para as imagens com a perplexidade como que Arcano Zero olha para o mundo é fundamental para criar narrativas que contem, através de uma combinação inusitada, a história de alguém que você não conhece. E muitas vezes, uma senhora pertencente a uma família de baixa renda e por ventura mal alfabetizada, pode nos dar dez a zero, pelo menos nesse quesito.

Então, o vale mesmo, é o que você deseja. Quer uma leitura divinatória, que aponte sem maiores responsabilidades os caminhos futuros mesmo que isso corresponda a escutar coisas desagradáveis? Procure alguém com este perfil. É o Império do Destino.


Deseja descobrir a razão de pesadelos e possíveis ataques astrais? Procure um tarólogo ocultista. É o Império da Magia.


Quer um trabalho mais moderno, que fale do seu presente e lhe mostre as tendências futuras, sempre lembrando das escolhas que estão em suas mãos? Procure um tarólogo ligado às terapias holísticas.  É o Império do livre-arbítrio.


Separei tudo em blocos para que o leitor possa ter uma breve idéia das linhas adotadas pelos tarólogos. Mas volto a afirmar: um bom tarólogo transita nas três, sem que você perceba. 



Boa sorte nas suas escolhas!



Zoe de Camaris

p.s.: Estou na plataforma de consultas do Personare. Se quiser consultar comigo, é só clicar aqui.

24 de abril de 2024

Queens and Sex and City




Aproveitando que a série voltou ao nosso imaginário em 2024 e já é uma das mais vistas na Netflix, recupero esse artigo de 2008. 

Curti Sex and City bem depois que tinha passado na TV. Um amigo me emprestou as 6 temporadas e, como eu estava de bobeira e a fim de perder tempo, resolvi saber do que se tratava. E gostei. Os diálogos são bem amarrados, as atrizes são divertidas, os temas bastante comuns a todas mulheres, solteiras ou não. O lado ruim é que quando você vai se vestir sempre acha o seu guarda-roupa um lixo, provavelmente porque é mesmo. O dia que a colunista de um jornal possa comprar todos aqueles sapatos caríssimos, teremos mais "Carries" no mundo. Obviamente, nenhuma das 4 amigas representa a de exatidão um arquétipo, o que é inumano. Todas elas guardam características de outras Rainhas. Mas em linhas gerais, se encaixam bem nas meninas da corte. Fica como curiosidade.

R A I N H A_ D E _P A U S


S a m a n t h a _ J o n e s


Água do Fogo. A Rainha de Paus é a mais quente e alegre de todas as Rainhas. A receptividade da Água, feminina, e a ação do Fogo, masculino. A ígnea dama conhece bem o seu poder pessoal e emana confiança. Carisma é o seu nome. Paixão, o que corre em suas veias feito lava de vulcão. E Samantha Jones é uma explosão, uma bombshell, sexo em estado puro. Femme Fatale de apetite voraz. Sua profissão? Relações Públicas! Dona de sua empresa e de um belo nariz arrebitado, exemplifica bem a independência da Rainha de Paus. E sabe ganhar dinheiro, coisa do naipe de Ouros. Samantha não se envolve afetivamente com seus parceiros. Para não se machucar usa todas estratégias possíveis de desvio. Eis sua linha de pensamento: -"O homem certo é uma ilusão, portanto vamos começar a viver nossa vida". E Samantha tem orgulho de ser como é. Quando interpelada por um desconhecido com a cantada de praxe "nos não nos conhecemos de algum lugar?", responde: -"É bem possível que já tenhamos transado." E a resposta não é a toa, já que sua marca nas 6 temporadas de Sex and City é de 42 transas - incluindo Maria, a artista plástica vivida no seriado por Sonia Braga. Suas cores são básicas - vermelho, amarelo, azul. A Rainha ferida de Samantha é a Rainha de Copas. E é com ela que terá que se deparar no final da série. Aceitar amar e ser amada.

R A I N H A_ D E_ C O P A S


C h a r l o t t e _Y o r k

Água da Água. A pureza feminina. Até o nome, Charlotte, parece de doce. A mais romântica, sonhadora e delicada das quatro amigas, é Rainha de Copas na cabeça. Sua palavra de ordem é tradição. O maior desejo é ter filhos, casar com um homem sério e destacar sua posição social. É uma marchand, trabalha com obras arte, mas isso nunca está em evidência e deixa de ser importante frente ao casamento. Com tendências compulsivo-obsessivas, guarda uma característica de Espadas. Charlotte gosta de tudo nos seus devidos lugares. Suas cores são leves, os vestidos clássicos e delicados. Sexo animal não é bem sua praia, é a mais "pudica" das quatro. No episódio quatro da segunda temporada, diz: - " Se gostamos do cara, que mal há em fingir um 'oh, oh'? É melhor que ficar sozinha." Apesar de ser a mais abastada financeiramente, creio que por herança de família, sua Rainha ferida é Ouros. Tem dificuldades para engravidar. No final das seis temporadas, Charlotte adota um bebê, dando vazão ao seu instinto maternal.

R A I N H A_ D E_ E S P A D A S

M i r a n d a_H o b b e s

Água do Ar. A Rainha de Espadas é mais inteligente, rápida e sarcástica de todas as Rainhas. E Miranda é tudo isso - advogada, graduada em Harvard, sócia da firma em que trabalha, batalha por suas idéias e é dona do apartamento em que mora. A melhor amiga de Carrie é a mais "jogo duro" das quatro. Sua posição em relações aos homens é bastante objetiva: -"Quem não é casado é gay ou divorciado. Ou vem do planeta 'não namore comigo". Quando não tem nenhum parceiro sexual, Miranda desconta comendo chocolates compulsivamente. Sua Rainha ferida é a de Paus - não é segura do seu poder de atração, do seu corpo, não acredita no seu sex-appeal: -"Sexy é um adjetivo que eu tento fazer com que eles vejam em mim depois que eu ganho a atenção deles com minha personalidade". No final da série Miranda tem um filho, se casa e deixa Manhattan pelo Brooklyn, bairro que detesta. Sua frieza é temperada pelo casamento.

R A I N H A_D E_ O U R O S

C a r r i e__B r a d s h a w

Água da Terra. A Rainha de Ouros traz em si todas as outras Rainhas. E na protagonista e narradora de Sex and City se encontram todas. Espadas, pela sua profissão - o Ar é o elemento da comunicação, do questionamento. É Paus porque exercita sua sexualidade sem maiores problemas e trabalha razoavelmente bem com sua imagem em evidência. É Copas, porque o amor lhe é caro e norteia sua vida e seu trabalho. Mas não é cínica como pode ser uma Rainha de Espadas, não é uma devoradora de homens como pode ser uma Rainha de Paus e nem é melosa e casadoira como uma Rainha de Copas. Portanto, Rainha de Ouros. Uma Rainha de Ouros com apartamento alugado mas que troca um jantar por uma Revista Vogue. Carrie equilibra as 4 Rainhas e sabe das coisas: - "Você pode tirar o garoto do Studio 54, mas não tira o Studio 54 do garoto". Carrie só perde a noção das coisas frente a um par de sapatos Manolo Blahnik.
***************************
Agora, por força das circunstâncias, lá vou eu ver Sex and City, o filme. Será que Carrie fica mesmo sem o seu Big Man? Torcendo para que role qualquer outra história, porque acho ele um babaca. 

abraços,
Zoe

27 de março de 2023

A Braçada | 10 de Paus | Robert Frost




10 de Paus



A Braçada



Para cada pacote que me abaixo e apanho

Deixo cair outro dos meus braços e joelhos

Toda a pilha desliza, garrafas e biscoitos

Coisas difíceis de serem arrumadas

E nada que eu pudesse perder.

Com tudo que possuo para segurar, mãos e mente

E coração, se preciso, farei o possível

Para manter seu edifício equilibrado em meu peito

Vou me abaixando para evitar-lhe a queda;

E depois no meio deles todos eu me sento.

Tive que deixar cair tudo no caminho

E tentar arrumá-los de um jeito melhor.


Robert Frost 

tradução de Rogério Kalinowski




The Armful


For every parcel I stoop down to seize

I lose some other off my arms and knees,

And the whole pile is slipping, bottles, buns,

Extremes too hard to comprehend at. once

Yet nothing I should care to leave behind.

With all I have to hold with hand and mind

And heart, if need be, I will do my best.

To keep their building balanced at my breast.

I crouch down to prevent them as they fall;

Then sit down in the middle of them all.

I had to drop the armful in the road

And try to stack them in a better load.


Robert Frost 







12 de maio de 2018

Orgulho e Paixão



O Tarot na Novela das 6



Cecília Benedito e A Lua, de Zoe de Camaris para o GShow



Sendo o Tarot um produto da imaginação humana é natural ver sua ligação com o mundo do Cinema, da Poesia, da Literatura e das Artes Plásticas. É possível identificar facilmente a presença dos arcanos em obras de arte, assim como é possível ler uma história através das cartas. Você conseguiria, por exemplo, identificar quais são os arcanos maiores presentes em Romeu e Julieta? E poderia modular os acontecimentos com os arcanos menores e as personagens das cartas da corte? Tente! É instigante e divertido. Só recomendo que depois do estudo, anote suas impressões e recolha as cartas. Uma vez eu analisei Macbeth e deixei o Tarot aberto na mesa, para anotar no dia seguinte. A noite foi horrível, podem acreditar.

Algumas noções de roteirização podem ajudar no seu trabalho. Recomendo dois livros: Story, de Robert McKee e A Jornada do escritor, de Christopher Vogler. Se quiser se aprofundar no assunto, arrisque As estruturas antropológicas do imaginário, de Gilbert Durand. 

As relações entre o Tarot e as Artes sempre nortearam meu trabalho. Quando comecei a cursar minha especialização em Literatura e outros sistemas semióticos no ICHS-UFOP, riam de mim quando falava sobre o Tarot. Mas eu bati sem parar nas mesmas 78 teclas e acabaram me escutando. Me cansa enormemente quando encontro alguém que considero inteligente e percebo que despreza o Tarot, relacionando-o unicamente com a adivinhação. Não reconhecer sua linguagem ótica, imagética, e que sua estrutura perfeita nos entrega uma experiência incrível de analogias e correlações é de suma ignorância. Interessante que não adianta tentar explicar, a pessoa se fecha em copas e fim de assunto. E, normalmente, essas pessoas são escritores ou ligados de alguma forma à Literatura. Curioso, não? 

Ultimamente a vida não deixado que eu curta tanto quanto gostaria o meu assunto predileto. Fico torcendo para que alguém me encomende um trabalho, mas isso quase nunca acontece. O que as pessoas querem é mesmo saber se o amor de sua vida vai voltar. Certo, é uma pergunta lícita, mas cansa... Ainda mais quando temos na nossa frente uma miríade possibilidades quando se trata do Tarot. Pois bem. Estava eu aqui atrapalhada com meus afazeres quando recebi uma proposta do Personare: relacionar arcanos do Tarot às personagens da novela Orgulho e Paixão. Oba! Até porque as personagens da novela foram inspiradas em obras de Jane Austen. 

Como a sinopse das personagem era muito curta e também para escrever algo fidedigno, fui atrás de Orgulho e preconceito, Razão e sensibilidade, A abadia de Northanger, Emma, Mansfield Park e Lady Susan. Claro que não deu tempo de reler tudo. Consegui tirar algumas dúvidas com Raquel Sallaberry, especialista no assunto e que mantém um site sobre Jane Austen em português. Grata, Raquel!

Claro que os textos para o GShow precisam ser curtos e acessíveis e também precisei contar com o poder de previsão do enredo para acertar minhas escolhas, o que não foi muito difícil em se tratando de uma novela das 6 e tendo em mão os romances, sem querer tirar do autor da novela, Marcos Berstein, a liberdade de composição e as possíveis surpresas na trama. Hoje, assistindo a novela, faria algumas pequenas modificações. 

Também precisei lidar com o Tarot de Marselha, deck utilizado pelo Personare. Eu teria escolhido o Rider Waite ou o Sevenfold Mystery, de Robert Place. Inclusive, temos alguns Tarots inspirados diretamente na obra de Jane Austen que poderiam servir maravilhosamente bem ao propósito. O Marselha não é inspirador quando se trata dos arcanos menores. A corte tradicional, formada por Pajens, Cavaleiros, Rainhas e Reis, também não ajuda nem um pouco em uma novela onde o destaque pertence às personagens femininas. O estilo de Pamela Smith no Tarot Waite daria conta do recado, mas ainda assim eu teria 3 cartas da corte masculinas para 1 feminina. Sim, as cartas reais podem representar aspectos ditos femininos em homens e aspectos ditos masculinos em mulheres, mas vamos combinar que fica estranho em um trabalho que precisa impactar e destinado a quem não conhece intimamente o Tarot, associar um Cavaleiro, por exemplo, a uma moça do início do século XX. Então tive que me virar com as restrições. Aliás, restrições são portas abertas para a criatividade. 

Aí está o trabalho. Espero que gostem!


Zoe de Camaris






22 de abril de 2018

Cartas Difíceis


Algumas cartas de Tarot são reputadas como "difíceis". Negativo e positivo compõe todo grande arquétipo, mas há um grau maior ou menor grau de dificuldade em encarar determinadas cartas, em especial o Pendurado, a Morte, o Diabo, a Torre e a Lua (os tópicos com links vão te levar para alguns textos aqui do blog).

A Roda da Fortuna e O Julgamento, no meu entender, são caracteristicamente neutras. A Roda rola, movimento giratório na linha do tempo, O Julgamento é mudança de paradigma.

Meu artigo neste mês de abril de 2018 no Personare foca na presença das cartas difíceis em leituras para relacionamentos amorosos, mas alinhava seus efeitos também em outros assuntos. Veja lá se gosta! 

Zoe de Camaris

4 de outubro de 2017

A Sacerdotisa, com Nena Inoue


No espetáculo “Para não morrer”, Nena Inoue aciona o arquétipo da Grã-Sacerdotisa, arcano II do Tarot.
Nua, coberta apenas pelos cabelos que caem como um véu sobre seu corpo, cercada de jarras e copos d'água, o fundo escuro contrastando com o trono branco manchado de vermelho, eis que se apresenta a personagem concebida por Nena Inoue, como num altar. Da velha que fala pela boca torta, observa-se a mão direita livre, a esquerda crispada, as pernas afastadas em forma de pinça de caranguejo.
O texto, baseado em trechos do livro “Mulheres”, de Eduardo Galeano, dá voz a histórias de mulheres que lutaram pela liberdade. Mulheres caladas que precisam ter suas histórias contadas, “para não morrer”, para não caírem no esquecimento. Um discurso sobre o silêncio.
A Sacerdotisa no Tarot é o arquétipo do mistério feminino, daquilo que não pode ser compreendido com palavras. No entanto, traz um livro em seu colo. A personagem/entidade de Nena Inoue abre o livro e através de uma fala prejudicada pela idade ou por uma doença, dá voz a estas mulheres, a todas as mulheres, trazendo à tona os nossos silêncios engasgados.
As mulheres de Galeano sangram. E nós sangramos junto. No arcano II do Tarot dormem os enigmas da concepção, da menarca e da menopausa. A lua, uma pitonisa, uma silbila, uma bruxa. Sua voz é a voz da alma. Sua mensagem está além da lógica. Apesar dos cabelos cobrindo sua nudez, as pernas abertas da atriz remetem à Sheela Na Gui (celta) e à Gauri (indiana), deusas com o sexo escancarado. Na Sacerdotisa habitam, em potência, todas as deusas da fertilidade.
A água em diversos jarros e copos cercando o trono parece conter um desejo de espalhar-se. A personagem enche os copos mantendo a distância necessária para aludir à quedas d'água. Água ainda assim insuficiente para lavar o sangue da experiência feminina, uma dor que parece estar sempre atrelada a alguma forma de amor. Amor pela terra, pelos filhos, pelo homem.
As polaridades, que na carta da Sacerdotisa estão marcadas por duas colunas, na cena se deixam entrever pela mão esquerda crispada (lado receptivo) e pela mão direita livre (lado ativo). O feminino magoado está no lado esquerdo. E destrava-se pelo poder da expressão de sua mão direita.
A Velha ri. Mas suas histórias querem nos fazer chorar. Mandos e desmandos, assassinatos, estupros, raptos. E o aparecimento de Maria Bueno, aquela que virou santa, no meio da história. A moça degolada pelo seu “namorado”, o soldado Diniz, recebe velas e rosas vermelhas no Cemitério Municipal de Curitiba, beatificada pelo povo.
A Sacerdotisa no Tarot também é conhecida pelo título “A Papisa”. Eu poderia contar, por exemplo, a história Manfreda Visconti, eleita como a primeira Papisa da seita gugliemita e que, segundo seus seguidores, iniciaria uma era onde as mulheres seriam as representantes de Deus na terra. A Igreja rapidamente cortou as asas dos gugliemitas e queimou a irmã Manfreda em 1300, exatamente o ano em que a nova era teria início. Cem anos mais tarde a família Visconti encomendou o primeiro jogo de cartas de Tarot e dentre os seus trunfos, a carta de numero dois viria a ser chamada de “A Papisa”. Ou seja, a história do Tarot também está ligada a um sacrifício feminino.
São diversas as convergências iconográficas e de sentido entre a carta e a cena. Saí do teatro com a impressão que Nena havia bebido algo dessa imagem no planejamento visual e no trabalho de corpo. Mas ela me disse que não. Curioso. Realmente, se você quer escutar a Sacerdotisa do Tarot falando, ainda dá tempo de ver o espetáculo.
E já que estou aqui costurando similaridades, a parceria de direção da peça é com a preparadora vocal Babaya. Fica difícil não lembrar de Baba-Yaga, a bruxa do folclore eslavo. Mas antes que eu comece a viajar demais, que fique o mistério no seu lugar preferido. Que é permanecer no espaço do mistério e da reflexão.

Zoe de Camaris


P.S.: Além da idealizadora e atriz Nena Inoue, a peça tem parceria de direção de Babaya Morais, dramaturgia de Francisco Mallmann, iluminação de Beto Bruel, figurino de Carmen Jorge e trilha original de Jo Mistinguett.

Espaço Fantástico das Artes
Alameda Princesa Izabel, 465
de 13 a 22 de outubro de 2017
às 20h.

Pague quanto vale/ Vale quanto pesa!

Os ingressos para o espetáculo seguem a política do “Pague Quanto Vale”, no qual o espectador tem a possibilidade de decidir o valor que deseja pagar pelo ingresso da peça.

6 de agosto de 2016

O Rapto de Perséfone

- A Virgem de Agosto -



As situações de crise são as que melhor refletem a necessidade de transformação. O fundo do poço é a mola que nos faz voltar à superfície, como diz a sabedoria popular. O mito de Perséfone, filha de Deméter, a deusa da vegetação e da agricultura, raptada por Hades, o deus das profundezas, ilustra simbolicamente como somos arrebatados da nossa felicidade por situações que nos levam à depressão e a decorrente dificuldade de reagirmos, estabelecendo um diálogo com a nossa consciência e negociando uma subida à luz com o equilíbrio reconquistado. Subimos diferentes de quando descemos; há um processo de maturação e integração da nossa sombra depois de passarmos alguns meses com Hades. 

O jogo, proposto pelo tarólogo Veet Vivarta em O Caminho do Mago, serve para que seja possível libertar Perséfone, fazendo justiça tanto a Hades quanto Deméter, e se aplica à administração de crises e para clarear situações do passado que ainda não foram compreendidas e assimiladas. 

A força de Hades mostrará o que precisa morrer na sua vida; a resistência ao rapto, a forma como vem bloqueando seus processos de transformação; os grãos de romã, onde se está perdendo energia; a seca de Deméter, as riquezas que não se expressam devido as suas desistências; a presença de Hermes, a ação correta neste momento, o acordo entre Hades e Deméter, a área da vida em que os ajustes precisam ser realizados e o retorno de Perséfone, no que resultará um trabalho comprometido diante da crise. 

A leitura deste jogo é feita por Skype ou WhatsApp (gravações de aúdio, para quem não tem disponibilidade de tempo) com as cartas do Tarot de Crowley. A duração é de 50 minutos e o valor da consulta é de 78 reais neste mês de agosto. Informações pelo e-mail: zoedecamaris@gmail.com.



"Perséfone, de belos olhos negros e braços brancos, filha de Deméter e Zeus, colhia flores despreocupada num dia de primavera quando uma fenda abre-se na terra. Da enorme fenda surge Hades, o de face invisível, senhor do Érebo, com seus cavalos negros. Hades havia se apaixonado e rapta a virgem, levando-a a contragosto para as profundezas. Deméter, inconsolável, sai desesperada em busca da filha. Os frutos secam nos pés, as flores murcham, a terra estéril sofre com a tristeza da deusa da agricultura. Mas Perséfone já não pode voltar do reino dos mortos: comera algumas sementes de romã e quem ingerisse alimento nos infernos não mais poderia retornar. É Hermes (alguns mitos apontam Zeus) que negocia com o deus das profundezas e, frente ao mundo desolado e seco, que Perséfone permaneceria apenas três meses com Hades e o restante do tempo, na superfície com sua mãe, criando a roda das estações".


Zoe de Camaris

15 de fevereiro de 2016

O Tarot Furtado

"O mundo impede que o silêncio fale"
E. Ionesco

PRÓLOGO


O Tarot é uma galeria de figuras enraizadas há seis séculos no imaginário ocidental. E para que assim seja reconhecido, o baralho filosófico de 22 cartas obedece uma organização e dinâmica peculiar na articulação dos seus conteúdos. Sem a manutenção do encadeamento numérico tradicional e a presença de determinados motivos iconográficos que o caracterizam, deixa de ser um Tarot. No entanto, por tratar-se de uma máquina de imaginar, é um campo aberto para releituras e vôos criativos. A imaginação que embalou sua gênese é também o que perpetua sua força representativa até os nossos dias.

O Tarot Furtado, idealizado por João Fasonare Acuio, propõe uma releitura surpreendente apesar de sua aparente simplicidade. As imagens não sofrem modernização ou adequações a um universo particular de signos, como acontece nos baralhos transculturais. Exibem as imagens tradicionais de Marselha, mais especificamente o Tarot Jean Payen. Sua singularidade é marcada pela supressão de símbolos fundamentais do contexto das cartas. O Mago, por exemplo, perde o seu chapéu-leminiscata e alguns instrumentos de sua mesa, fazendo com que se torne um mero prestidigitador de feira, um falastrão. Não tem a conexão com o infinito que lhe propicia um dito inspirado ou o poder de criar realidades inesperadas.

Um tarot pra tudo quanto é nego torto”, diz o autor, que relaciona sua criação a ícones populares de Curitiba, como Maria Bueno e Gilda. Um Tarot da Cidade. Uma carta achada ao acaso, um beijo roubado, uma oração. O daimon rondando as ruas, o coiote, o brincalhão, um gênio que perdeu a lâmpada e que, na sua procura, aciona o acaso. A Roda Fortuna está em cena.

Furtar é tirar de alguém algo que lhe pertence sem a sua permissão. E todos nós temos algo que nos foi tirado sem autorização consciente. Consciente. Porque muitas vezes abrimos a janela e criamos o ambiente propício para a entrada do ladrão. E ele vem na calada da noite e de manhã sentimos que algo sumiu, algo precioso, mas não sabemos muito bem o quê. Fica uma sensação de vazio e a falta nos acompanha, às vezes, por anos a fio.

O que nos foi tirado? Por que perdi a paz? Quem é o ladrão? Como pode nos ser restituído? E o que desejávamos, no final das contas, realmente? O que norteará nosso desejo? Estas são perguntas que o Tarot Furtado nos estende de uma forma física, indubitável, já que a imagem está arraigada no corpo e possui uma consistência quase material. Ao emudecer símbolos de cada lâmina dos arcanos maiores do Tarot, a falta comunica. E o espaço em branco, en reserve, identificado em uma matriz imagética arquetípica, exige preenchimento. O silêncio grita. A ausência é a evidência. O Tarot Furtado tem a característica de nos mostrar a pergunta e não a resposta.

A imagem de uma carta de Tarot é arrebatadora. Permite que se perceba, simultaneamente, todo um conjunto de elementos. As sensações visuais nos chegam como um todo, explodem frente aos nossos olhos. E para serem traduzidas pela linguagem escrita e/ou falada exigem um eixo temporal – só é possível enviar uma palavra por vez. E por isso mesmo, ante as cartas, o primeiro momento apreendido é o da sensação e não da palavra. É importante que se mantenha a reação frente a supressão de um símbolo, com o mesmo silêncio. Assim as impressões se multiplicam. A palavra é tardia e, como bem aponta Hegel, vem como uma mediação entre o corpo e o objeto.

O Tarot Furtado ganha quando apresenta o silêncio como sua primeira fala. E ganha mais quando é utilizado de acordo com a sugestão do seu autor. Segundo Acuio, há um procedimento inicial para que o Tarot Furtado se declare, um circuito mágico, um rito. Um rito que tem o poder de lhe devolver o que sempre foi seu, por direito. O tarólogo, ou aquele que ocupa o papel de tarólogo, é o mediador. Um agente do silêncio.

Na caixa, nos são apresentados dois conjuntos idênticos de lâminas. O primeiro é seu, o segundo é dado a alguém de sua escolha. Se você recebeu o seu Tarot de presente, para que se dê continuidade ao ritual, precisará de mais um maço. Você descobrirá no processo: 1) o que lhe foi roubado, no exato momento em que lhe é restituído; 2) quem roubou, quem é o ladrão; 3) qual é o seu verdadeiro desejo, enquanto disseca a trama. O Tarot Furtado é um tarot investigativo. Se você quer saber, vai descobrir.

Prepare-se, a história vai começar. A primeira leitura é única, o ritual é feito apenas uma vez. As cartas são embaralhadas. Peça ao Tarot o arcano que vai lhe restituir o que é seu. E ao mesmo tempo, diga o seu nome em voz alta. O nome possui uma grande força evocativa e mostra quem está no comando. É você quem pede o seu Arcano Restaurador. Embaralhe três vezes.

I ATO

Eis a primeira carta e a mais importante, o Arcano Restaurador, a que indica o que lhe foi furtado. Se, por exemplo, a carta é O Imperador, o que lhe foi roubado é a águia que falta no escudo, ou seja, a visão que todo governante precisa para que não se torne um déspota. O aparecimento da carta restaura o equilíbrio perdido, ou seja, lhe devolve a águia, o poder de enxergar longe e ir com afinco atrás daquilo que deseja. Não esqueça: a imagem é lida pelo símbolo (ou conjunto de símbolos) ausente(s). Sem o pássaro, o governante (de sua própria vida) fica apenas na defensiva. Mas quem roubou a águia da carta? Este é o segundo passo, descobrir o ladrão.

II ATO

O segundo conjunto de cartas é então entregue e apresentado ao destinatário de sua escolha. Mas antes que você possa descobrir o ladrão, sorteará o Arcano Restaurador para o seu presenteado, repetindo o primeiro processo. A indicação é que esta carta não seja interpretada pelo tarólogo embora seja importante a escuta, o que a pessoa sente e tem dizer a respeito. Prepare os ouvidos e feche a boca. O Tarot Furtado inverte o processo tradicional de leitura das cartas.

Agora, de posse do seu baralho, peça ao presenteado que tire uma carta do maço para você. A carta lhe apresentará o bagunceiro, o daimon, o coiote, o ladrão. Vamos supor que saia O Eremita. Pois bem, foi este velho sem lamparina, lamparina que é símbolo de conhecimento e profundidade, sem luz, quem roubou a águia do seu Imperador. Talvez o ladrão não tenha feito de propósito. Talvez o ladrão seja só um agente do destino, o que faz a coisa toda se desenrolar, o criador da desordem. Sem luz para reconhecer o caminho, o Eremita pode ter se servido de qualquer outra coisa que estivesse à mão. Mas pode ser sim, o mal-intecionado: acolviteiro, eminência parda, conspirador. Ou pode ser você mesmo.

Deixe a imagem falar por si só. Lentamente, vá identificando os contornos do ladrão. Fale o que lhe der na telha e não espere por uma interpretação. O tarólogo irá escutar. E pontuar, se necessário.


III ATO

Agora, em segredo, você tirará o Arcano do Desejo, completando o circuito. Esta terceira carta é o seu ideal. Mais que um objeto de desejo, mostra o conjunto, o contexto, o agenciamento. Mais do que algo, deseja-se o algo e o seu entorno. Vamos supor que a carta sorteada seja A Roda da Fortuna. Ela será lida de acordo com a imagem do Tarot tradicional, ou seja, como se não faltasse na imagem a manivela que faz girar a roda. Podemos interpretar esta sequência hipotética da seguinte forma: O que lhe foi tirado é dom da visão arguta (a águia desaparecida do escudo do Imperador), e que lhe foi surrupiada pelo Eremita sem auto-conhecimento (falta a lamparina). Do momento em que A Roda da Fortuna aparece com a manivela no lugar onde deveria estar, há a possibilidade de que a vida volte a acontecer no ritmo desejado, ao menos como um “vir-a-ser”. A sorte lhe foi restituída no devir. O Arcano do Desejo nos dá o tema da leitura. Não conte a sua carta do desejo pra ninguém.

EPÍLOGO

O Tarot Furtado se revela no momento em que é dramatizado. Mas quando passei pelo processo (e o fiz lentamente, sem a angústia de um resultado) percebi que a interpretação geral (a conclusão que se tira das três cartas) acontece em vários níveis. Num primeiro plano as associações se referiram a algo bastante óbvio e conversavam com o cenário a que eu estava submetida no momento da leitura. Foi como se eu levasse um tapa na cara. A impressão permaneceu durante alguns dias até que eu percebesse que o resultado calava mais fundo na minha alma e não se referia a uma só situação emergente (embora fundamental). Vi a recorrência de furtos e ladrões no palco da minha vida. A mesma trama encenada por atores diversos em épocas diferentes; personagens que trocaram de roupa, mas fizeram o mesmo papel.

E sei que agora, de posse desta leitura única, poderei recorrer a ela em diversas situações quando a mesma tríade poderá se apresentar, mas agora, minhas atitudes frente a questão estarão em um diapasão diferente, em uma oitava maior. Então, o Furtado acontece no momento em que é dramatizado porém continua se desenvolvendo no tempo.

Mas então, você me pergunta, o Tarot Furtado só pode ser usado dessa maneira? Eu lhe diria que é bastante nutritivo manter o ritmo pausado de revelações que o procedimento mágico propõe. Vivemos em uma cultura de imagens, imagens sobrepostas em ritmo alucinante. Mal sentimos o que uma imagem revela e já estamos olhando para outra e, assim, sucessivamente. O Tarot Furtado é um convite à reflexão apurada quebrando o ritmo loquaz das imagens e criando uma área “de respiro”. 

No entanto, este conjunto de cartas pode ser usado por um tarólogo ou um diletante em uma leitura comum, principalmente quando o fio da meada interpretativa se perde. As três cartas são jogadas obedecendo a mesma regra, mas agora como método: 1) Arcano restaurador; 2) Arcano Ladrão; 3) Arcano do Desejo. Basta não esquecer que, ao contrário do que a prática comum estabelece (1. passado (ou tese) / 2. presente (ou antítese) / 3. futuro (ou síntese) no Tarot Furtado os atos são intercambiáveis. Ou seja, apesar da sequência obedecer uma ordem de tiragem, ela pode ser lida de trás para frente, de frente para trás, do meio para os lados... O Mago, aquele que inicia todos os trabalhos do Tarot, sabe bem como mexer seus pauzinhos. Embaixo de qual copo, diz o Prestigitador, está a moeda? Pois é, você não sabe. Pode estar embaixo de qualquer um. Tenha em conta também que o Arcano do Desejo não é a meta. O Desejo é como a Utopia: quando se alcança, já deixou de ser. O que realmente importa, segundo a visão de seu autor, seja no procedimento mágico, seja no método usado para uma leitura comum, é tirar a pessoa da esfera limitante da posição de número 2, O Ladrão, e certificá-la que ela recebeu o que lhe havia sido furtado e que ressurge na posição 1, A Restauradora.

E fique atento ao reaparecimento das suas cartas mágicas quando estiver jogando para alguém. Se a sua carta primeira (O Imperador) reaparece na posição 1 do consulente, é uma confirmação daquilo que lhe foi restituído. Lembre-se disso, parece que é preciso. Se a sua segunda carta (O Eremita) surge na posição 2 do consulente, cuidado. O ladrão está à solta novamente e exatamente naquele momento. Interrompa a leitura e retome dias depois. E se a sua terceira carta (A Roda da Fortuna) constelar a na posição 3, ah, que alegria. Você está perto de alguém que tem o mesmo desejo que você. Comemore!

A riqueza do Tarot Furtado reside na inversão de um olhar comum. Não é consulente que pede a leitura, ela é oferecida pelo tarólogo que sai de sua casa e visita o seu escolhido. O tarólogo pode pagar uma moeda ao consulente. A leitura, que normalmente é feita de uma vez só, aqui é concluída em etapas, respeitando a gênese do Tarot, uma Arte da Memória.

Atravessando o tempo, o Tarot Furtado ficará para sempre. Furtando o coração das cartas, Acuio nos devolve toda a loquacidade do silêncio. E o silêncio faz um barulho danado.


Zoe de Camaris

p.s.: Ah! Se você quer começar o circuito mágico e não ganhou um baralho de presente, fale com o João! Ele se oferece para tirar a sua primeira carta. Escreva para joaoacuio@gmail.com.