29 de abril de 2007

DUAS ESPADAS

Sumi, né? Não, não morri de tédio. Na semana passada, bati com a cabeça na parte pesada da janela enquanto me ajeitava na cama. Doeu pra caramba, foi sangue pra tudo quanto é lado e baixei hospital. Não precisei dar pontos mas passei a semana inteira com uma dor de cabeça horrível. Agora, tô melhorzinha mas ainda sem o ânimo e a concentração necessária para escrever.




Então, pra não deixar meus leitores sem o artigo de final de semana, recomendo o texto do Leonardo Chioda sobre o 2 de espadas - O Silêncio entre duas lâminas. Excelente! No Café Tarot.

Enquanto isso, continuo no melhor estilo 9 de paus. Mas já volto.

besos,
Zoe

15 de abril de 2007

4 de Copas


Sentado no meu quarto/ O tempo voa/ Lá fora a vida passa/ E eu aqui à toa/
Eu já tentei de tudo/ Mas não tenho remédio/ Pra livrar-me deste tédio.

Biquini Cavadão



"Deus, livra-me dos chatos!" - Dalton Trevisan



As imagens falam. Como estoy aburrida, não tenho muita vontade de tecer comentários, mas vamos lá. Prometo que farei o possível. E não me chateiem - lembrem-se! Eu moro em Curitiba, cidade onde tudo funciona. Céu azulzinho de outono, ônibus por um real que te leva aonde você quiser aos domingos (saco, hoje é domingo) - já abri as janelas faz tempo, já fiz café, já coloquei comida pro gatinho e pro cachorrinho... ó céus, ó vida, ó destino! Como é que o tempo ousa se arrastar desse jeito?

Bem. Calvin repete, na tirinha, o mesmo gesto do rapaz na imagem de Pamela Smith, do Universal Waite. Parece óbvio e é. A imagem do tédio - cruzar os braços em total empatia consigo mesmo já que nada do outro lado parece funcionar de agrado. Tudo uniforme, a expressão da indiferença. Tédio inclui ironia, algumas vezes cinismo. O mundo pode cair que você não está nem aí. Mas, com certeza, ele não cairá. Faz parte do tédio a desesperança. Digamos que o tédio não é grave como a angústia. Na angústia, há movimento. No tédio, tudo pára de fazer sentido. E há uma inflação egóica, claro. O entediado é um príncipe, cansado de suas riquezas e dos cachorros de raça que o distraem, vez ou outra. Tédio é para poucos, digamos assim. Há uma nobreza no tédio que é típica daqueles que são excessivamente mimados. E que pode ser confundido com "estilo".

Causa, inclusive, a exasperação alheia. Sim, os chatos que não se cansam de repetir: - mas olhe como a vida é linda! Humpft. Tédio. Aqui, não se toma conhecimento do que a vida, generosamente, entrega. Nenhuma gratidão. Certo mesmo está é o Olavo Bilac, outro porre: "Sobre minh'alma, como sobre um trono,/ Senhor brutal, pesa o aborrecimento./ Como tardas em vir, último outono,/ Lançar-me as folhas últimas ao vento!".

Se fosse tédio mesmo, o poema não teria tantas exclamações. Aliás, como o tédio tem a ver com uma certa preguiça, os marcadores sem dúvida seriam as reticências.

Tremenda mesmice. Um bocejo imenso vai engolir o mundo. Nada do que lhe é oferecido faz alguma diferença. A palavra-chave é indiferença. Vantagens? Sim. Para Baudelaire, de quem acabei de roubar a frase do bocejo, o esvaziamento da dimensão simbólica da existência seria uma necessidade para a subversão crítica da realidade. Mas esse ensaio que estou lendo é um saco, passemos a algo menos chato, senão, que nem a Rê Bordosa, vou estourar de tédio junto com meus leitores que, a essas alturas, espero, já tenham fechado a janela. Ninguém merece esse texto. Não hoje.

E dêem graças a deus os que estão vivos, porque acabei de achar um poema de J.G. de Araújo Jorge perfeito para o momento e aí então, não sobraria pedra sobre pedra. Vou poupá-los de tamanho aborrecimento.

Ai ai. Voltemos então ao Tarot. Crowley agora. Se você ainda estiver de olhos abertos, observe a imagem:



O nome da carta é Luxúria. Exuberância. Hum? Lúxuria é bom? É, né? Dizem que é, não sei. Parece que a palavra "luxúria" dentro do contexto crowleyano quer dizer mais coisas, tem seu sentido estendido. Excesso de prazeres. No meu caso, excesso de chocolates.

E quando há exagero, obviamente, há tédio. Faz parte da natureza humana "sentir falta". Se algo não me falta, se não me falta nada, o estado é de prostração. Hazo Banhaf é bacana ao interpretar a carta. Bonzinho. Eu prefiro as aulas do Veet Vivarta em que a seguinte expressão reveladora nunca mais me saiu da cabeça: "amor de grude". A Lua está em Câncer, o que equivale a dizer que está em casa. Mas tem coisa mais chata que a Lua em Câncer e em casa? Chicletes. Amor & chicletes. Gente que fica abraçando e beijando o tempo todo, telefonando, dizendo que ama, agarrando no pescoço. Eu não gosto de melação - há quem goste, claro. Minha Lua é clean, virginiana. Carinho é bom. Pegação no pé é um saco.

Há um conformismo que pode significar conforto. Bem dignificada, a carta significa ternura, aceitação do amor entregue. Você está sendo mimado. Cuidado (nos dois sentidos). É claro que para que isso resvale no ciúme, no zelo excessivo, é apenas um pequeno passo.

A seqüência explicita: Ás de Copas - transbordamento amoroso como estado inicial; Dois de Copas - amor compartilhado; Três de Copas - festa, amor vivaz, lua-de-mel; Quatro de Copas - cansaço (depois do orgasmo?) seguido de tédio e do...Cinco de Copas, claro, desapontamento.

Outro dia, li numa comunidade sobre Tarot que o 4 de copas poderia significar traição. Sorri com o canto da boca. A "traição" está é no 3 de copas. No quatro, só há acomodamento.

As nuvens no fundo da lâmina começam a ficar escuras. Nimbus recheada. O tédio é cinzento como uma tarde de domingo.

Ok, vou parar de cansar vocês e almoçar na casa da minha mãe. Se eu der sorte, não vai ter macarrão. Mas eu SEI que vai ter macarrão.



Zoe de Camaris


Morte
William Butler Yeats


Medo não tem, nem esperança,
Um animal a agonizar:
Aguarda um homem o seu fim,
Tudo a temer, tudo a esperar;
Já muitas vezes morreu ele,
As muitas vezes retornando.
Em seu orgulho, um grande homem,
Homens que matam enfrentando,
Sobre a substituição da vida
Atira um menosprezo forte;
sabe ele a morte até os ossos
- Foi o homem quem criou a morte.

tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos

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Morte

Nem temor nem esperança assistem
Ao animal agonizante;
O homem que seu fim aguarda
Tudo teme e espera;
Muitas vezes morreu,
Muitas vezes de novo se ergueu.
Um grande homem em sua altivez
Ao enfrentar assassinos
Com desdém julga
A falta de alento;
Ele conhece a morte até ao fundo —
O homem criou a morte.

tradução de José Agostinho Baptista

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Death


Nor dread nor hope attend
A dying animal;
A man awaits his end
Dreading and hoping all;
Many times he died,
Many times rose again.
A great man in his pride
Confronting murderous men
Casts derision upon
Supersession of breath;
He knows death to the bone —
Man has created death.


W. B. Yeats

6 de abril de 2007

XIII

“Se você não morrer antes de morrer, morrerá ao morrer”.
Ordem dos Cavaleiros Teutônicos



Ver a Morte em vida. Solução para a fama aziaga do décimo-terceiro arcano do Tarot? Creio que não. Morrer, quando se está vivo, é uma constante ou pelo menos deveria ser. Livrar-se do velho para que o novo apareça. O processo é complicado porque há fatos morimbundos. Aqueles que moram dentro da gente em estado de coma, velharias que insistimos em manter vitalizadas - como se isso fosse possível sem que tudo no entorno apodrecesse.

Ano passado, suicidei-me. Não, não foi uma tentativa de suicídio. Suicidei-me mesmo. Estava tão envolvida em uma situação, tão agarrada a ela, tão identificada com algo que não me pertencia que não tive outra alternativa. Ter total consciência do processo é fundamental. Cada etapa minuciosamente analisada e só depois ritualizada pelo instinto de vida. Buscar o entendimento dos meandros, das vielas, das esquinas em que a depressão se instala. Buscar a verdade. Perguntar sempre: - por quê? Não importa se a resposta vem. Continuar inquerindo, sempre. Em determinado momento a solução eclode, vinda sabe-se lá de onde.

Quando vi minha imagem de esqueleto no espelho, algo dentro de mim começou a se mexer como as serpentes na cabeça da Medusa. Eu não tinha mais como conviver com o que estava agonizando dentro de mim. Mas para que a Morte pudesse pegar sua foice e realizar seu trabalho no jardim, precisei permitir a sua presença ao meu lado.

Era uma tarde chuvosa, como deveria ser. Um cenário propício. Eu estava sozinha e muito triste. Minhas leituras, na época, muito pesadas. Uma lassidão, um amortecimento, um cansaço de todas as tristezas. O corpo pesado no colchão. Exaurida. Lembro-me que escutei as folhas da amoreira gritarem que não. Mas não lhes dei ouvidos. Peguei o primeiro papel que vi no criado-mudo e escrevi o poema que contava a minha morte etapa por etapa. Auto-comiseração? Não. Um gesto libertador. Cada célula do meu corpo gritava de dor à medida que as palavras eram escritas no rascunho. Hipostasia romântica? Não. A solução, o resumo, a essência de sofrimentos acumulados durante muito tempo. Escrevi o poema a seco. Tomei um comprimido para dormir. E a escuridão veio.

Uma penumbra adocicada, sem sonhos. Não sei quanto tempo isso durou. Não sei o que aconteceu enquanto eu dormia. Se à minha volta, dançavam todos os meus fantasmas de mãos dadas com aqueles que já se foram; se um anjo salvador erguia suas mãos sobre minha alma e me libertava; se a imagem da Morte no espelho se desgrudava lentamente e tomava o caminho da amoreira.

Sei que acordei, sonâmbula, e caminhei até o banheiro. Liguei o chuveiro e tomei um banho imóvel. Era só a água, meu corpo e nenhum gesto. As águas da Temperança. Quando senti que era hora de desligar, saí dali, coloquei uma roupa qualquer e passei o resto do dia como um robô. O piloto automático ligado para lavar a louça, desligar o computador, pentear os cabelos. O fim da tarde se arrastou, a noite chegou e eu dormi tranquila mas ainda com aquela sensação de anestesia. Troquei a roupa de cama. Coloquei um pijama limpo e quente.

Deixei a janela aberta de propósito. O dia nasceu ensolarado. Levantei e, como de costume, coloquei a água pra ferver. No primeiro gole de café, meus pensamentos voltaram para o lugar de sempre, como um passarinho habituado à sua árvore. Mas a árvore não estava mais ali. Uma sensação de estranhamento me percorreu. Ei, onde está meu sofrimento preferido? E me dei conta que ele tinha sumido, realmente sumido.

Bem, é claro que história tem um final feliz. Cada célula que antes gritava de dor estava possuída por uma nova força. Cada fio de cabelo tinha passado pelo salão de beleza dos deuses com sua queratina de néctar. Eu, era eu novamente. Graças a mim mesma que permiti, finalmente, a visita do arcano Sem Nome - em Vida.



Zoe de Camaris