16 de dezembro de 2008

A Favorita





Hoje acordei de cara. Sonhei que estava na casa de Gonçalo, da novela A Favorita. Eu esticava um fio da casa dele até a casa ocupada por Flora. O fio permitiria que as conversas entre Flora e Silverinha fossem gravadas. O movimento do meu inconsciente foi de revolta frente aos absurdos que fazem com que uma novela seja uma novela. Afinal, se a família Fontini tivesse tomado a simples providência de colocar uma escuta (simples uma ova, vocês não imaginam o trabalho que eu tive no sonho) as más intenções da vilã seriam descobertas antes de janeiro e a trama, interrompida.

Sonhar com novela é o ó. Meu inconsciente deve estar oco, não é possível. Prevendo a situação, um dia antes comecei a reler Kafka. Mais especificamente, "A Metamorfose". Nada como Kafka ou Proust quando a gente tá se sentindo meio burra.

Este seria o conselho da taróloga Cilene pra mim: "Criança, pare de assitir novela. Se agarre à Kafka. Senão, no próximo despertar você acordará virada numa barata".


Zoe

14 de dezembro de 2008

PERSONARE


A Revista Personare está no ar, sou uma das colaboradoras.

Vale a pena conferir o caprichoso trabalho da equipe.
Congratulações a todos!

Zoe


10 de dezembro de 2008

ERRAR PODE DAR CERTO


Recomecei a atender há poucos dias. E em uma das leituras aconteceu algo curioso. A consulente fez uma pergunta sobre a condução da sua vida espiritual. Saquei o Crowley da estante e o dispus numa arrumação por sete. Na sexta posição, “maior medo e maior desejo”, para minha surpresa e espanto da cliente, saiu uma das cartas extras de divulgação da O.T.O, Ordo Templi Orientis. Para quem não sabe, quando um tarot é impresso, via de regra, possui 80 cartas. 78 Arcanos, maiores e menores, mais duas lâminas que contém a marca pessoal do autor do deck e geralmente a propaganda da editora que o imprimiu.

Putz, pensei. Mas rapidamente lembrei que tudo o que acontece do momento em que o consulente entra no seu consultório faz parte da questão principal e da resposta. É uma carta que cai no chão, a forma que o consulente embaralha e escolhe as cartas e também, em um leque possível de ocorrências, o tarólogo que, distraído, não tomou o devido cuidado de conferir seu baralho. Meu caso, nesse dia.

Nem vou perder tempo dizendo que a vida de uma recém mamãe de um recém nascido é muito atribulada. Que você, como sempre, pensa em todos os detalhes, mas que nunca é perfeita. E que o destino, na casa de uma taróloga, sempre acena com suas contribuições, nem sempre facilmente decodificáveis.

Lembro-me de um amigo falando sobre o oráculo de Mercúrio. Sabem como funciona? Você está andando na rua pensando naquela questão para qual não há uma solução fácil quando duas ou mais pessoas passam conversando e você escuta uma palavra, uma frase que revela o vaticínio: a palavra "arrisque", por exemplo. Cai como uma luva. Responde a questão.

O mundo é oracular para quem sabe ou tenta lê-lo. É a Macro Geomancia. O vôo dos pássaros, uma folha que cai, uma porta que bate. Uma carta que não deveria estar no maço.

Interessante que a pergunta da minha consulente se referisse à vida espiritual. Ela é budista. Queria saber se estava dedicando tempo suficiente à prática. Se deveria cortar impulsos da sua vida mundana. Se poderia, um dia, morar no templo. Boba seria eu se não tivesse aproveitado o recado contido na lâmina que traz a simbologia da Ordo Templi Orientis.

Errar pode dar certo.
É bom não esquecer este ensinamento.


Zoe

21 de novembro de 2008

A RODA DA FORTUNA




O homem que disse "prefiro ter sorte a ser bom" entendeu o sentido da vida. As pessoas temem ver como grande parte da vida depende da sorte. É assustador pensar que boa parte dela foge do nosso controle. Há momentos em que a bola bate no topo da rede e por um segundo ela pode ir para ao outro lado e voltar. Com sorte, ela cai do outro lado e você ganha. Ou talvez não caia e você perca.


Woody Allen
in Match Point

11 de outubro de 2008

Canção de uma gueixa anônima


Ferenc Pinter / Anima Mundi

Tu e eu vivemos no interior de um ovo
e eu, eu sou a clara
envolvo-te e embalo-te dentro do meu corpo.

20 de junho de 2008

Bruxursinha



Dorme em paz, Bru. Você não me deixou outra opção se não dizer "té té" no fim. Mas juro que é a última vez.


Com Amor,
Zoe

23 de abril de 2008

ERRATA

A ordem dos arcanos O Mundo e O Louco no post anterior não está inversa mas sim na ordem normal.

10 de abril de 2008

Caso Isabella



Mistérios sempre deixam pulgas atrás da orelha. Não costumo fazer especulações sobre casos de domínio público, mas dessa vez a curiosidade venceu. Perguntaram na TV porque este crime mobilizou o País. Pensar que um pai possa matar desta forma sua filha... Mas sobre "comoção", quero falar num artigo posterior. Agora, aí está a minha leitura.

Perguntei o que as cartas tinham a dizer sobre a morte de Isabella. Lancei um Péladan com os arcanos maiores cobertos pelos menores.

A favor do crime, na posição esquerda, O Imperador, o "Pai do Tarot" em combinação com o Cavaleiro de Espadas - nervoso, frio, insensível, vingativo, objetivo. Contra, A Imperatriz, a nossa direita. Primeiro, o IV, depois o III. Ordem inversa. No Tarot marselhês, o Imperador estaria de costas para a Imperatriz sendo que esta olha para a direita. No Waite, a Imperatriz também lhe dá as costas, de onde é possível concluir que este casal, além de ocupar postos antagônicos não está em situação harmônica, pelo contrário.

Ao arcano III, segue o 3 de espadas, carta da dor, do coração partido. Alguns comentadores do Tarot dizem que essa dor pode ser causada por um triângulo amoroso e no caso Isabella isso parece claro. A primeira parelha de maiores e menores mostra um homem decidido e uma mulher com o plano mental comprometido pela emoção.

No espaço reservado para a discussão da questão proposta, o topo da cruz, vemos O Mundo seguido do 5 de paus, a carta da Luta. A lâmina que coroa o Tarot, arcano XXI, nos fala sobre conclusão, fechamento. Mostra uma mulher, uma dançarina, dentro de um "ovo" (o têmeno sagrado). É uma imagem de arrebatamento, de êxtase, que tanto pode nos mostrar uma atitude ativa, ao espraiar sua energia pulsante, como nos apontar uma ação passiva, de recebimento. Buscando semelhanças iconográficas entre o crime e a carta, temos a tela de proteção da janela, cortada em formato oval.

Abaixo, no pé da cruz, temos O Louco seguido do 5 de copas, a carta da Decepção. A visão do tarólogo Alejandro Jodorowsky sobre a parelha 0/XXI é bastante esclarecedora, já que considera essencial a ordem das cartas. Assim como o par Imperador/Imperatriz está fora da ordem (4-3), o par Mundo/Louco (21-0), também está. Nesse caso, a carta do Mundo mostra uma energia encerrada, que nada realiza. Uma prisão, um começo difícil, um "parto" que não vai bem. A mulher olha para um passado vazio, sem futuro. Há uma obsessão pelo passado e nenhum impulso em buscar o seu futuro em algum outro lugar. A mulher aqui representa algo demasiado grande para o homem. Assim vista, a carta do Mundo, seguida pela carta da Luta, se esclarece. Uma situação limite que não parece ter saída e uma briga, uma discussão. O Louco e 5 de copas, na posição que soluciona a questão, mostra o ato insano, inconsequente, seguido imediatamente pelo arrependimento e pesar, a reação emocional à perda.

No centro da cruz, mostrando a síntese da pergunta feita, está A Estrela e A Rainha de Espadas. O destino da mulher é estar separada do homem. Novamente a mulher/Rainha de Espadas dá as costas ao homem/Imperador/Cavaleiro de Espadas. E volta-se em direção à Imperatriz. Curiosamente, o triângulo está formado na linha horizontal, já que o caso envolve o pai, a madrasta e a mãe.

Cabe perguntar aqui: seria a mulher representada pela Rainha de Espadas, a mesma mulher representada pela Imperatriz? Estaria A Imperatriz indicando a maternidade e/ou a mãe de Isabella com o coração partido? Seria, indo pelo caminho mais fácil, a Rainha de Espadas a madrasta malvada, montando o triângulo fatal na linha horizontal? Mas nesse caso, o que representaria A Estrela, carta da inocência e da liberdade, sintetizando a questão? A criança, a inocente? Quem é o culpado? Mal dignificada a Estrela nos fala de arrogância, compactua com a insensatez do Louco, aponta para a leviandade.

Tenho a impressão que as coisas se desenrolaram sem planejamento (O Louco e A Estrela) embora a idéia já estivesse plantada na mente da cada um (Cavaleiro de Espadas, Rainha de Espadas).

Parece-me claro, como a quase todos aqueles que estão seguindo as notícias sobre o caso, que se trata de um assassinato movido por uma questão passional. O Tarot confirma a questão. No mais, por ora, tudo é conjectura.


Zoe de Camaris

21 de fevereiro de 2008

A RODA


The Wheel of a Fortune by Degare



Habito numa roda.
Dou-me conta disso
segundo as árvores.
Sempre que olho pela janela
vejo-as:
quando, as folhas no céu,
quando, as folhas na terra.


E segundo os pássaros,
que voam
com uma asa para o sul
e com uma asa para o norte.


E segundo o sol,
que me nasce
hoje no olho esquerdo,
amanhã no direito.


E segundo eu,
que ora sou,
ora não sou mais.


Marin Sorescu

13 de fevereiro de 2008

De Copas para o Mundo


Etruscan Tarot
Sempre tive dificuldades com a Rainha de Ouros, porque não a conhecia. Como vocês sabem, ela é o resultado da integração da Rainha de Bastões (Paus), Taças (Copas) e Gládios (Espadas). É Ouros que se faz ver no mundo físico. Sou, essencialmente, Copas. Bate primeiro na emoção ou então não funciona. Os sentimentos acionam Espadas, preciso escrever sobre o que sinto. Então afio minhas lâminas.


Bastões é minha persona. Minha máscara é solar, acesa, intensa. Mas trabalhar a Rainha de Bastões é beeeeem diferente do que aparentá-la. Por fora é rubi, por dentro é prata.


Pois bem. Em torno de agosto de 2007, a Rainha de Bastões chegou valendo. A sensação era a de estar tomada. De dentro pra fora, de fora pra dentro. As Espadas imediatamente arrefeceram, o que me assustou bastante. Como ficar sem escrever? Esquecer meus livros, os estudos, as anotações ao pé das páginas, a rotina? Bachelard, a imaginação? Você está tomada. Corri no homeopata. Tomei phosphorus e fosfosol. Geléia real. Mas geléia foi o que virou minha cabeça. Demorei para me conformar, confortando-me com a fala de meu amigo Alexsander: - Calma, pantera. Você está vivendo outro momento, colhendo experiências."Cê já volta".

Não tenho como escrever no piloto automático. Como disse, sou de Copas. Só escrevo se sinto. Mas sentia e sentia muito. Só não atingia a magia que opera percepções em palavras. A libido escorregou todinha para outro lugar. Aí alguém pode me perguntar, mas e os textos técnicos? Sim, preciso uma fisgada no coração. Ou não acontece nada que possa transmutar-se em pensamentos, algo que me sustente. Algo que se sustente. Assim, depois de meses em debate com a ausência repentina da Rainha de Espadas, resolvi relaxar e deixar então que a Senhora de Bastões dissesse ao que veio. E ela me disse. Se disse.


A vida ficou mais intensa. As artérias começaram a pulsar de outra forma. A tal Mulher Selvagem da Clarissa Pinkola Estés. Não foi dificil começar a enxergar no escuro mesmo com todo astigmatismo. Potnia Therion na linha. Vibrações diferentes. Semi-tons que eu nunca tinha vivido. Arrepios. Nossa Senhora. Cada poro foi acionado. Os perfumes ficaram mais fortes, as cores idem. O paladar apurado anunciava que a mais poderosa das Rainhas me espiava, detrás de alguma montanha.


Gradativamente, a Senhora de Ouros se aproximou como quem não quer nada. Devagarinho, para não assustar. Mesmo mãe de duas filhas, Deméter nunca foi minha praia. Essa coisa de excesso de vegetação. De opulência. Resisto. Minha saida para Deméter sempre foi Perséfone, a Virgem, aquela amiguinha de Plutão. Mas maturidade é um fato, mesmo com a resistência moleca - chega uma hora, olha-se a palmatória. Mesmo que você não dê sua mão a ela. Ou foi ela que não lhe deu a mão?


O ápice rolou numa trilha, o (inumano) Caminho do Itupava. Copas reclamou, Espadas torceu o nariz (mesmo!), mas a força de Bastões estava lá. E a Rainha de Ouros foi trilhando ao meu lado sobre as pedras, atenta a cada passo, a cada poça de lama, a cada flor. Yellow brick road com brilhantinhos para o meu amor. Terra. E fui recompensada por um banho de cachoeira onde não havia mais nenhuma Rainha.


Só eu mesma. E a água.




Zoe
p.s.: se alguém disser que o pensamento é o que aciona o sentimento, eu posso concordar. posso aceitar também que é necessário uma fagulha para acender o coração. mas em se tratando de palavras, pra mim é diferente.