Alleged Tarot
É sempre quando você menos espera. Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, e você lá, lépida, bonita, feliz, espirituosa. Se arriscar, faz até sol. Ele é o pai da alegria e seu artifício mais hábil, nas palavras de Baudelaire, é fazer de conta que não existe. Armadilha armada, arapuca disfarçada. Seduz você com a beleza, puxa de mansinho. E claro, você está entre amigos. Amigos. Imagine se não fossem amigos. E bem sabe, ora, que a inocência... quem é assim tão inocente frente ao pai das aparências? Ele gargalha empunhando o gás hilariante e você sorri junto - vai, vai rindo. Divertidíssimo.
Engata a primeira no tranco, a segunda, a terceira desliza e quando se dá conta, está a mil por hora. Percebe que tem algo errado. Esboça uma reação. Mas aí é tarde demais, princesa, você já não tem como lutar porque depôs as armas faz tempo. E continua sorrindo e sorrindo e sorrindo. E roda e roda e roda... até cair.
Se, além disso, ele simpatizar muito com você (independente de quanto você simpatize com ele, embora o costume é que seja recíproco), espere pelo pior na hora em que acordar. Você pode escutar histórias inacreditáveis. E mergulhar com força no lado escuro da lua. Eu tenho certeza que no limbo (ou seria no purgatório?), todos se sacodem com Pink Floyd. I Hate Pink Floyd diz Johnny Rotten. Me too. O inferno é uma jaca gigante e a essas alturas, você já enfiou os pés pelas mãos.
A iconografia é clara: O Diabo age nas suas costas. Você não o vê. Parece que há um momento só de lucidez, como se ele dissesse: - Você pode, mas agora não quer mais escapar. E aí, é você que faz de conta que ele não está lá. Está presa por sua única e exclusiva vontade. Seus amigos sorriem de novo, mais pra lá do que pra cá. As iscas, as de sempre - ele nem se dá ao luxo da originalidade. Sexo, drogas e rock'n roll. Para alguns, o dinheiro também funciona.
Xul Solar Tarot
Só há uma forma de escapar. A memória. Memória que ele também apaga. Você conhece o lado escuro da rua, baby? Se ao menos lá no Érebo tocasse Lou Reed... Mas já faz tempo, tanto tempo... como é mesmo a cara do lobo mau? Você esqueceu o profile do predador? Então não foi tão mal assim, não é mesmo? Ainda se recorda das noites que não acabam nunca, do silêncio que aterroriza? Da vergonha do espelho, dos pensamentos obsessivos, da culpa que bate insistente a campainha, pior que revendedora da Avon? Do alarme disparando? Do balanço das folhas? Esqueceu da insônia? Do cocô do cavalo do bandido perdido no Arizona? Hum, doçura, então você não viveu. Porque não se lembra.
O quê? Vai atirar a primeira pedra, leitor? Cuidado: pode ser um bumerangue.
Psychotic Tarot
Talvez exista uma segunda forma de escapar. A intuição. Aquela leve nota de enxofre que pode ser capturada na profusão da lança- perfume. É hora de afastar. Se afaste. Encosto tem até na maionese, dizem. Tinha maionese onde você esteve, Pepe Legal? Ah, então tá tudo explicado...
Taí. É Carnaval, seu reinado. Fique ligado. Porque não é qualquer um que pode brincar em paz. Espero de coração, que você seja um deles. Eu, por minha vez, vou trabalhar. Com um olho nas costas.
Zoe de Camaris
p.s.: presentinho de um cara que entendia do riscado:
Ao Leitor
A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez
Habitam nosso corpo e o espírito viciam,
E adoráveis remorsos sempre nos saciam,
Como o mendigo exibe a sua sordidez.
Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.
Na almofada do mal é Satã Trismegisto
Quem docemente nosso espírito consola,
E o metal puro da vontade estão se evoca
Por obra deste sábio que age sem ser visto.
É o diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo que repugna, uma jóia encontramos;
Dia após dia, para o Inferno caminhamos,
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia.
Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.
Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce,
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce,
Rio invisível, com lamentos indistintos.
Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.
Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vício ancestrais,
Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo!
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra, por prazer, faria um só detrito
E num bocejo imenso engoliria o mundo;
É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção,
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu o conheces, leitor, ao monstro delicado
- Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão.
Charles Baudelaire
tradução de Ivan Junqueira e Jamil Haddad
3 comentários:
Afff q nada a vê. Pink Floyd é clássico, não tem nada a vê com diabo, e se tiver, o qq tem? o planeta já tá um mesmo. E se não gosta é porque nunca escutou com clareza a paz e tranquilidade que há nas letras! Bom, gosto é que nem cu, cada um tem o seu, mas Pink Floyd é brilhante, letras inteligentes, capas de CDs inteligentes, enfim... cada um escolhe o caminho que quer seguir!
É verdade, caro Anônimo. Cada um escolhe o caminho a seguir e cada um interpreta textos como pode. Grande abraço!
MINHA LINDA FEITICEIRA, INCORRE-SE NO RISCO DE FAZER-SE GENIAL OU IDIOTA AO TENTAR INTERPRETAR UM METAFÓRICO TEXTO.EU PREFIRO A CONTEMPLAÇÃO, COMO FAÇO A MABE (MANABU). ADEMAIS... ADORO PINK FLOYD E ENTENDI-O NO CONTEXTO.
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