28 de maio de 2005

As Encruzilhadas de Ivan ou A Piada dos Dois Problemas


Alleged Tarot


Era uma vez um homem que precisava escolher entre um carro vermelho e um cavalo castanho. Se ele escolhesse O Carro, não haveria nenhum problema. Seria um corvette coupê maravilhoso e só lhe traria alegrias. Mas ele escolhesse o cavalo, haveria dois problemas pois, no dia seguinte, ao se encaminhar à estrebaria, leria um cartaz que incitava homens de diversas regiões do mundo a participar de um torneio. Caso ele o desprezasse, não haveria nenhum problema. Mas se ele se inscrevesse... Poderia sair vencedor ou não. Se ele não saísse vencedor, não haveria nenhum problema mas se ele triunfasse seria o começo de uma série de infindáveis encruzilhadas. Se fosse o tempo em que troféus e honras traduziam a culminação das concorrências, não haveria nenhum problema. Mas se estivéssemos no medievo e ainda existissem damas a serem heroicamente conquistadas, seria o início de um doce inferno: ele teria que, como Ivan no conto russo, montar no cavalo castanho e resgatar a princesa da sua torre de marfim. Se no ato do salto ele não conseguisse alcançar seus lábios, nada poderia nos preocupar e nem a ele. Mas se no momento em que o robusto cavalo alcançasse os céus ele pudesse roubar-lhe um beijo, oh céus, oh purgatório, teríamos dois problemas: o beijo poderia ser fulminante, imediato, uma flecha de Cupido dourando seu coração ou apenas uma borboleta agradável, parda de azul. Se fosse nuvem e azul, ah, não haveria nenhum problema, mas se ela olhasse pra ele e ele olhasse pra ela e fosse aquele olha e reolha e o tempo parasse e os olhos de ambos brilhassem ao mesmo tempo, Ivan congelado e derretendo de paixão no pulo, haveria dois problemas. Ele poderia avistar seu castelo de realidades desmanchando-se no ar, cego por raios e trovões, gotas de lágrima ou tijolos caindo do céu, tomar suas insígnias agora tornadas pedras – e não haveria nenhum problema além de uma brutal melancolia. Se ela fosse a sua Mulher-Estrela, aquela que tem em si todos os atributos monstruosos da fêmea perfeita e selasse o seu destino com o amor ideal, tudo estaria bem na vida do nosso herói. Mas como a literatura imita a vida, e vice-versa, versa-se a vida, é possível que essa mulher se desdobrasse em duas: uma, a doce pura e casta Sofia, a fada da fonte que não lhe daria filhos. Ivan se entristeceria por não deixar descendência mas teria a vida digna de um rei e uma mulher fiel. Mas caso fosse a terrível Alexandra, a princesa negra ... Pobre Ivan. Além de tripudiar da sua louca paixão e corneá-lo com os mais reles súditos ainda lhe daria muitos filhos. Se dessa maldita união nascessem apenas meninas, as deusas de um eterno Olimpo ainda poderiam contemplar-lhe com alguma felicidade. Mas se nascesse um menino, ah Ivan, sua sina seria assinalada com pior dos sofrimentos. Se o escritor, comovido com o destino do seu personagem, pudesse ainda mudar o curso da história, não, não haveria nenhum problema. Ele interromperia o fluxo da imaginação virando-se para o outro lado na cama finalmente conseguindo dormir e teríamos mais uma história sem fim. Mas se o autor dessa sucessão de acontecimentos se visse preso no enredo e fosse obrigado a levantar, ir até o computador e mudar tudo, poderia resolver que não estaríamos mais no tempo de castelos, princesas e cavaleiros: Ivan entraria no carro e tudo seria diferente – e até aí, nenhum problema. Mas se um pernilongo, um terrível pernilongo, zoasse na cabeça do nosso demiurgo e o deixasse com um bruto mau humor, de nada adiantaria, tudo seria em vão - Ivan teria que assistir seu filho oscilar frente ao corvette coupê e um cavalo.

Zoe de CamarisAbril de 2004

5 comentários:

Ivan disse...

Brutal, colossal, antipodático, epitropélico... Me faltam palavras... Eu gosti muto.

Anônimo disse...

Zoe,
Comento aqui o post de marlon, para não correr o risco de passar desapercebido.
Estou extremamente impressionada com ele e todas as coincidências(?).
Vc é uma fera, garota.
Lembro-me perfeitamente da índia recebendo o Oscar.
Quer saber de outra? Estava no MSN com a Lilia e ela escreve com letras maiúsculas: "Marlon Brando morreu"! No dia, no naquele minuto, levei um susto.
Já isso vira um post, amei e volto para ler As Encruzilhadas de Ivan.
Beijão grande

Gisele Naconaski disse...

INTERPRETANDO SONHOS:
Bela, vamos parte... rsrsr Sonhar que cheguei no momento em que você varria sua piscina! uau! Em primeiro lugar sonhou comigo! Euzinha só pode ser sinal de sorte! Daí temos a água da piscina e a limpeza que você estava promovendo em torno dela... Sonho bom amiga, sinal de que tudo está limpo, lindo, azul piscina! Ah, azul ainda por cima é minha cor da sorte! Tudo muito, muito positivo!
Beijos bonita, amei mais este blog teu!
Gi

Anônimo disse...

Tanto este quanto o "palavra de pantera" são ótimos. Adorei.
Beijabrações

Anônimo disse...

Algo realmente único. Um estilo diferente de tudo que já vi, e posso dizer que gostei. Agora há mais uma entronada entre as minhas autoras favoritas. Três, como eram as parcas. Pois bem, vi seu primeiro texto na biografia no site "mito e magia" e é algo surpreendente, tens o dom da escrita e mais que isso, é tudo tão seu, tão próprio. Quanto a este post, hoje mesmo vim pensando no ônibus da faculdade em como escritores e poetas percebem um mundo diferente... Enquanto os outros veem uma parede enegrecida pela fuligem, nós vemos o fogo ardendo. Sentimos e sabemos de histórias, vemos e sentimos. Somos donos de tantos destinos... Hoje mesmo matei uma senhora e nem sei por meio de quem. Está no meu blog, e não sei se lhe darei um assassino e uma trama ou a deixarei mofar na cadeira de balanço... Deuses desleixados que somos, em um Olimpo feito de letras e palavras.. Tantos destinos (desatinos?)... Ah, mas chega de filosofar. Parabéns pelo talento. Abraços.