A malhação de Judas
Afinal, a vítima é o traidor ou o traído? – Uma questão de ponto de vista, diria o Homem Pendurado, acostumado com mudanças bruscas de perspectiva - acordei pensando neste sábado de Aleluia. Oportuno lembrar do tema "traição" enquanto se malha o Judas, aquele que entregou Jesus por 30 moedas de prata segundo a versão tradicional. Outros dizem que Judas era o melhor amigo de Jesus, seu guarda-costas. Nesse ângulo de visão teria ajudado o Filho do Homem a cumprir seu destino. 'Mui amigo', mas vá lá. A questão é paradoxal mesmo. Ainda mais para um arcano que está naturalmente de ponta-cabeça.
Wirth
Tem um lance no Direito que se chama "Vitimização". A pessoa provoca provoca e provoca alguém. Um dia o provocado fica bravo e castiga o provocador que, rapidamente, toma o lugar de vítima. Louco isso, a troca rápida de papéis entre o verdadeiro bode expiatório e seu algoz. Aí tem aquela fala: - Só se coloca no papel de vítima quem quer - no caso, o provocado. Haveria então um acordo praticamente tácito de alimentação entre o algoz e a vítima. Acontece entre os sado-masoquistas e também entre os que não acham que sejam sado-masoquistas. Mas nem assim encontramos uma regra.
Nem sempre a vítima é causadora da sua dor como rezam os aficcionados pela Tábua da Esmeralda e os adoradores de "O Segredo". Existem os inocentes, completamente inocentes e que entram pelo cano. Aqueles que acreditaram, que botaram fé, que deram de si o melhor. Que fizeram tudo que estava ao seu alcance. Que têm gestos positivos e de repente... Lá se foi o tapete.
Por mais que se rodeie o assunto parece que sempre voltamos ao ponto de partida, o eterno retorno. Como se O Pendurado no Tarot ficasse girando feito A Roda da Fortuna e nos colocasse tontos.
Tem também o traidor, o algoz, que é verdeiramente traidor. Mas ele costuma ter justificativas para o gesto que, provavelmente, não chama de traição. Razões pessoais para voltar atrás no que foi combinado "na ponta do bigode", no "acordo de cavalheiros". Rói a corda. A nossa corda. Porque a própria corda é dificil, a não ser que o traidor tenha feito muitas abdominais e tenha um belo tanquinho. Movimento de iogue. Confuso esse arcano XII.
O Pendurado é o traidor ou a vítima?
É uma sensação horrível a de ser traido. Ao susto (traição sempre tem a ver com o medo) segue-se a dor e a revolta. Só quando perdoamos, nos entregamos, desistimos, que a dor da traição passa. Até lá ficamos pendurados, presos na mágoa. Causamos pena e compaixão. Perdoar nos liberta.
Curiosamente, não existe o efeito retórico, só o prático. Se não há verdadeiro perdão, não acontece nada. A corda continua firme.
E se a idéia é se vingar do sacana, o ódio toma conta do coração. E o traidor está lá, passeando de barquinho enquanto você espuma de raiva. A vingança é um prato que se serve frio, dizemos mentalmente. E alguns acreditam mesmo em justiça divina.
Mas não será a verdadeira vítima o traidor, execrado em praça pública, apedrejado, exposto pela propria traição? Não sofrerá o traidor (ainda neste mundo) as penas decorrentes do seu gesto em foro íntimo? Uma questão de consciência:
Há os traidores arrependidos que podem inverter sua posição rapidamente. De traidores passam a heróis. A verdade sempre nos favorece, diz um amigo. A verdade funciona como um escudo, causando maravilhas, mesmo que venha atrasada. E há os que não se arrependem nunca e também se tornam heróis. E a mentira permanece. A traição é um conceito que mexe de frente com a questão da verdade e da mentira.
Não sei qual versão está certa, se Judas-Capitu traiu mesmo Bentinho. Sei que o gesto de malhar o Judas é catalisador. Melhor queimar o boneco como um rito de passagem. Marcar a testa do Espantalho com nossa fúria, aquele covarde: - Loser! gritamos em côro. Vale como gesto simbólico, esse costume popular tão antigo.
Minchiate
E reafirma que o arquétipo continua vivíssimo. Que medre então e de preferência, bem longe de nós, afinal só existe um Sábado de Aleluia ao ano. Mas se assim não for que a dor se revista do sacro-ofício, o sacrifício sagrado, naquele que encontra um sentido maior para o sofrimento.
Mas eu nunca gostei dessa história de crescer através da dor.
Zoe
9 comentários:
Oii, Zoe!
Muito legal seu blog! Meus parabéns!! ^^
Adorei aqui!! Já estou até te seguindo!! ^^ rs...
O assunto do seu post é bem polêmico, mas bem interessante!
Sou espírita-karcecista, cristã, mas tenho a mente super aberta e achei legal saber um pouco sobre tarot! Para finalizar, nunca participei da malhação do Judas, nem qd fui católica, e por isso, não tenho opinião formada sobre isso! rs...
O único porém é que realmente acho que a dor ensina e que crescemos através dela, já que damos mais valor qd as coisas decaem do que qd elas estão indo bem, mas isso é pessoal para mim! rs! ^^
Ah! Comenta lá no blog meu tb: www.riot-vicious.blogspot.com
E me segue tb, please!! ^^
Beijos, tudo de bom e ótima semana,
Mari.
Há uma relação de desap ego que Judas assume.Ter para si o ódio da humanidade e saber que seria "eternamente" odiado por ela.Cristo e Judas,ambos sabiam disto.Há quem diga que Judas tenha sido mestre de Cristo.
Gurdjieff: Por que você fala de Judas nesse caso? O que você sabe a respeito de Judas? Ele era um grande iniciado. Ele foi o segundo discípulo depois de São João Batista. Tudo o que é falado sobre ele é falso. Se você quer saber, ele foi até mesmo o mestre de Cristo.
Mais uma coisinha... Cristo não morreu na cruz,seu túmulo está na cachemira,fronteira entre paquistão e índia.
"os alquimistas estão chegando"
Um dos vícios dos fanáticos é o pensamento linear, pode ser que a vítima simplesmente estivesse passando por ali e se encaixou no perfil procurado pelo algoz. Nem sempre as duas vontades convergem, como numa dessas interpretações do mito cristão.
Mas seu texto é ótimo como sempre, não se preocupe com reprimendas estúpidas.
Querida, seu blogue é lindo e elegante. Adoro toda a mística do tarot. Tenho buscado um pouco de magia em minha vida. Confesso: tenho encontrado pouca. Seu texto é uma delícia!
Humm...Curitiba está tão fria quanto Praga.
Beijo,
VB
This discussion of the victim and persecutor is so interesting. You know of the "victim-persecutor-rescuer" triangle in psychology? We see this very clearly in alcoholic and drug-influence relationships, but also in so many other relationships. Always the roles keep changing...victim...rescuer...persecutor...the wheel keeps turning...
Oi zoe. Dá uma olhadinha cá: http://conversascartomanticas.blogspot.com/2010/12/o-arcano-xii-hallowed-be-thy-name.html
"malhar Judas" é trair a quem ele traiu...
é "atirar a primeira pedra" achando que somos/estamos certinhos... Tradição ridícula essa, que leva pessoas a irem contra o próprio estereótipo da situação: a de um "ser" limitado e impedido em algo,e que não permite que brotem novos ramos em seus "galhos" podados, e que não consegue, (por enquanto) ver, divisar um novo horizonte,porque em seus olhos vítreos de peixe,só existe o reflexo
do vidro opaco,a parede do aquário...
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