28 de junho de 2005

Sobre Amor e Espelhos


2 de paus / Barbara Walker

Tudo que está na terra, está no céu, mas nem tudo que
está no céu, está na terra.
(Sabedoria Guarani)

Persiga-o em sonho. Em algum lugar do mundo, numa cidadezinha distante ou no burburinho enevoado de um arranha-céu, é onde ele está. Há momentos em que você acredita vê-lo, através da vidraça.

Imagine que observa gotas pálidas escorrendo pelo vidro, reflexo no poço. Que abre a janela e respira fundo o hálito da noite, obnubilando a água. O vento estremece a raiz dos cabelos e frisa sua testa. Uma moeda, círculos concêntricos. Olhos feito duas pedras de gelo, sua boca - imagem fixa, rosa cristalizada de fotografia. Você não vê seu rosto, Psiquê cega no escuro.

Pegue a lamparina. Ilumine, acenda, esquente, descongele. Devolva-lhe o reflexo vivo. Descubra onde o amor habita, por hábito. Escorregue. Delineie cada traço, atenta ao menor detalhe. As veias saltadas do braço, a textura do cabelo, o peito aberto, a pinta mais íntima. Coloque a imagem em movimento com delicadeza.

Inverta. Recue ao passado, avance ao futuro e aí... deixe estar. Respire, solte, abrace a brisa que acalenta. Seus dedos fios, fímbrias de seda, tênues vibrissas percorrendo a pele sobre a cama. O friso. Lasso, que ela toque seu corpo, leve a mão sobre seu rosto, feche seus olhos. Escreva um poema na incompreensível língua dos deuses. O fogo, a água, os sete mistérios.

Pétalas de rosa no lençol azul, o espelho encarnado. Escute o que o vento sussurra, o murmúrio que arrepia. Pressentimentos, sinais, relâmpagos – seu nome está inscrito nas folhas, nas pedras, escondido em algum canto, perdido na névoa, nas brasas da fogueira. Enfim, à superfície.

Depois de tudo feito, peça a graça. A fé no improviso. Poesia púrpura, falha súbita na ordem do universo.

Chama, amor. A Água.

Zoe de Camaris
12.6.2004

Nenhum comentário: