3 de julho de 2005

NIKITA, ou A Arte de Encontrar Gatinhos Perdidos






















Hello Kitty Tarot

Outro dia, enquanto descascava batatas, recebi um pedido de urgência. Um gatinho desaparecido. Onde foi parar Nikita? Lavei as mãos, sequei-as, e esfreguei rapidamente uma palma na outra. Não sei se seria tão rápida e prestimosa se fosse uma questão de amor, acostumada que estou com pedidos dessa ordem. É curioso perceber que questões amorosas costumam se resolver em um ou dois dias, com ou sem auxílio de uma taróloga. E, no mais das vezes, o que o/a consulente deseja mesmo é falar de suas mágoas. Algumas pessoas, cegas por Cupido, nem escutam o que se diz.


Gatinhos perdidos são, deveras, mais importantes. Escolhi o Tarot de Miss Pamela Smith, que alguns ainda chamam de Waite, a meu ver um conjunto de cartas mais talhado para esse momento oracular. Pois bem, com a amiga ao telefone, embaralhei o maço, pedi que visualizasse a questão e cortei. Abri o leque. Solicitei que visse, na sua tela mental, a imagem da gatinha. E que me autorizasse por três vezes, a retirar três cartas, no momento em que considerasse adequado. A primeira sorteada foi Os Amantes, arcano VI. Ora, está namorando, respondi sorrindo. Não, disse minha interlocutora. É castrada. Nessa hora, troquei a fita. Não sei dizer bem como foi, mas as coisas se resumiram encontrando sentido em algum lugar dentro de mim como sói acontecer: Ela está encurralada. Não sabe como sair de onde está. A consulente respondeu: É isso que sinto. Continuei, virando a carta seguinte: O Hierofante, Papa para os mais íntimos. Duas pesadas colunas contém a figura. Nikita estaria presa em algum lugar com grandes colunas, uma igreja, talvez? Nesse momento senti receio de estar falando bobagem, porque nunca ouvi falar de gatos presos em igrejas. Mas como aprendi a confiar no meu instrumento de trabalho e nas intuições continuei tirando a terceira carta: o Seis de Gládios. A imagem de Pamela Smith traz o barqueiro atravessando um rio, uma carta de passagem. Fui no óbvio: – Tem algum rio aí perto da sua casa? Uma ponte? Não, obtive como resposta. Bem, concluí, a impressão que tenho é que você deve sair para procurá-la. Está depois de algum lugar com água, perto da água, talvez presa em um espaço com colunas, encurralada.


A consulente, satisfeita com a resposta objetiva, agradeceu e desligou rapidamente. Voltei para minhas batatas pensando no Tarot como um instrumento divinatório. Como um oráculo que dá respostas estranhas, enigmáticas. E com uma sensação de que ela encontraria a gatinha antes que o almoço estivesse pronto.


BATATA. Assim que coloquei a comida na mesa, a amiga tornou a ligar. E contou que, ao passar por uma casa vizinha, escutou um miado. Pediu para entrar. Casa de gente rica, muito rica, com colunas de mármore. No fundo, uma piscina. Atrás da piscina, um jardim de onde Nikita, por algum motivo, não conseguia sair. Pegou a gatinha no colo e foi para casa.


Fiquei feliz com o acerto. E ainda mais confiante no meu trabalho, no meu instrumento. No meio de tantos livros sobre o Tarot, um mar de maionese esotérica cheio de correlações inúteis, vale o Tarot como uma coleção de imagens que se basta.


É suficiente lê-lo.




Zoe de Camaris

3 comentários:

mariaterezaprado disse...

Depois dessa vai ter que me aguentar... gostei!
Qual o seu número mesmo?

Emanuel disse...

Zoe, não só excelente como gratificante. Como é bom saber - e viver! - algo que funciona.
Obrigado pela partilha.

Callia Amaris Harpia disse...

Que história tocante e de sensibilidade.