12 de maio de 2012

OS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO




















O Tarot é um sistema imagético de linguagem que permite uma gama variada de interpretações, tanto na sua sintaxe, sua sequência linear, como nas inúmeras relações paradigmáticas, ou eixos associativos, permitidas por sua estrutura combinatória. Aí reside sua grande riqueza, gerar possibilidades inimagináveis de leitura em diversos níveis de interpretação. No entanto, assim como em nossas qualidades residem nossos piores defeitos, com o Tarot não é diferente. Para quem não percebe a especificidade dos ingredientes de uma receita o que temos como resultado é a famosa gororoba: - Mas eu segui a receita certinho, diz o iniciante. Pois é. No açafrão há uma distância considerável entre a raiz e o pistilo da flor. 

No que se refere aos arcanos maiores sabemos que existem certos conceitos norteadores fixos. Não podemos, por exemplo, interpretar a aparição da Imperatriz como um "momento de retirada", assim como não é possível ler na carta do Julgamento, uma fase de estabilidade. 

Os arcanos menores apresentam uma maior variedade interpretativa, dependendo do sistema com o qual se trabalha ou deck escolhido. Os menores de um Tarot Egípcio nem sempre encontrarão eco nos arcanos menores do Tarot Waite, por exemplo. É possível, inclusive, criar um Tarot que respeite os símbolos e significados dos arcanos maiores e inovar nos arcanos menores, desde que se mantenha o mesmo número de lâminas e também a sua estrutura.  O Tarot Mitológico, nesse sentido, é exemplar.

Do momento em que o Tarot "fala" com você, novos insigths interpretativos se abrem e isso é mágico. As possibilidades relacionais são incontáveis. Isso no que se refere aos conceitos pertinentes a cada carta. Estamos tratando de Arte e não de Ciência. E quando se fala da leitura de cinco ou mais arcanos dispostos ao acaso, viajamos então para um céu repleto de estrelas.

Com isso quero dizer que apoio e defendo a liberdade de interpretação. Embora não consiga evitar uma rejeição natural às maioneses interpretativas e confesso que, neste "novo mundo do Tarot" com o qual me deparo depois de alguns anos tratando de outros assuntos, há mais salmonela que a quase inócua maionese. Maionese ainda vaí, mas com salmonela pode ser letal.

O susto se deve, principalmente, quando vejo as imagens do Tarot sendo interpretadas ao pé da letra, de forma rasa e com psicologismos de botequim. E me assusto ainda mais quando vejo estas informações divulgadas em blogs e sites que se dizem sérios e por "tarólogos" que de Tarot não entendem lhufas.

Também não vou dar nomes aos bois porque tenho percebido mais um outro dado estarrecedor: o mundo do Tarot virou um ringue. Até uns cinco anos atrás existiam divergências tratadas com elegância e pontualidade, o que é profícuo. Mas elegância não pode ser confundida com hipocrisia pois é detestável o reino das concordâncias vazias, do puxa-saquismo e dos elogios faca-de-dois-gumes. O que tenho visto agora, além da arena das vaidades, é uma apelação que beira o ridículo. Pessoas que não compreendem metáforas, que não identificam ironia e que, por consequência, não estão habilitadas para interpretar símbolos, alegorias, emblemas.

Aí virão me dizer, mas Zoe, quem pira interpretando cartas é você que ilustra poemas com imagens, que procura o significado das cartas no cinema, nas artes plásticas! Sim, essa é a Zoe eterna estudante. A estudante que sempre estará buscando vieses interpretativos, novas possibilidades de sentido. A estudante que antes de relacionar uma imagem do Tarot com qualquer outro sistema coisa lê no mínimo três livros sobre o assunto e que pesquisa incansavelmente.

MAS, quando se trata de ler o Tarot, de dar de encontro com um consulente que, via de regra estará aberto para as palavras e ideias que leio nas minhas cartas, a coisa toda é bem diferente. Reconheço os limites. Tenho um enorme respeito pelo meu trabalho e mais respeito ainda pelas pessoas que se consultam comigo até porque, quando era adolescente, fui vítima de uma cartomante terrível que me deixou na cabeça uma questão que não tinha nada a ver por mais de trinta anos. A responsabilidade é muito grande. Não temos e sempre achei que não deveríamos ter uma instituição reguladora. Hoje sou obrigada a rever minha opinião. 

Então, caros leitores do meu blog, ao relacionar uma carta a um poema ou a um filme, trata-se de criatividade, busca de conhecimento e diletantismo. Agora, quando são criados significados fixos para as cartas, significados estes que podem (infelizmente) ser usados em leituras "PROFISSIONAIS" de Tarot, a porca torce o rabo. 

Cuidado. 

Goroboba esotérico-psicológica já é péssimo. Mas salmonela mata.













Zoe de Camaris






7 comentários:

Vinícius Linné disse...

Creio que o tarot enquanto arte é aberto para 'n' interpretações, inter-relações e criações. Como oráculo, porém, ele deve mesmo ser tratado com a ponta dos dedos.

Boa reflexão.

Zoe de Camaris disse...

Ótima expressão, Vinicius. "Ponta dos dedos". É isso aí.

Vanessa disse...

Sim, concordo também...devemos explorar ao máximo as cartas de tarô, até porque acredito mesmo na colaboração criativa entre todos os tarólogos que trazem novas cores a cada carta, porém, não podemos mesmo ficar viajando na hora da consulta. Aquilo que já foi consagrado e funciona, deve ser mantido, até porque é preciso ter clareza do sistema, do tipo de oráculo que se usa e das perguntas que se fez para que a consulta funcione corretamente. Senão, a tendência é que tudo fique muito confuso...

Zoe de Camaris disse...

Exatamente, Vanessa. O cuidado com consulente é fundamental.

Bruna Stoque disse...

Muito interessante, eu curso letras e sempre fui apaixonada em tudo que envolve astrologia, misticismo essas coisas, não sabia que na minha area poderia me voltar para meu sonho.. muito bom!

Simão disse...

Existe um conto húngaro "O Ferreiro da Catarata" ("Maravilhas do Conto Húngaro", Paulo Ronai) que trata dos perigos de qualquer atividade. Ler cartas é uma responsabilidade tão grande, que talvez fosse melhor nunca exercer essa atividade!Parabéns belo belo blog!
Cláudio.

Luciana Onofre disse...

Eu "amarro" sempre filmes, literatura e tarot, acho que é coisa mesmo de beletristas... coisa de quem amou Literatura Comparada...

Lindo texto...