15 de setembro de 2006

Tarologando I


São Paulo é sempre uma surpresa. E dessa vez ganhei a viagem na chegada. Poderia acontecer qualquer coisa depois que a Roda girou na minha frente, escancarando sua mecânica abstrata. Basta uma visada atenta, rumo ao futuro. Não sei se isso acontece a toda gente, comigo não. O inesperado, quando a Roda dá um salto. Sempre que imagino uma máquina do tempo, estou na Grécia Antiga, num castelo medieval, num bosque de carvalhos. Escavações, Psicanálise. Futuro, só se for para descobrir os números da mega-sena - voltar - e construir uma máquina que me leve direto ao passado. Mas já que quem fica parado é poste, eu mudo de idéia. E ando encantada pelo futuro. Pelo imprevisto, pela magia da falha na Matrix. O sentido do "deslize". A vida tem sido pródiga comigo. Parece que me diz assim: - Olhe só, filhinha, o que acontece quando você desliga a lembrança. Olhe o que gira quando você está atenta, aqui e agora. E eu lhe mostro a ventura, maravilhas em cidades desconhecidas.



Tenho cismas. Cismas que geram sismas. Ano passado, foi A Temperança. E eu precisei dela todos os dias. A vida exigiu a memória, contínua, da mãe amornando a mamadeira. Da firmeza das mãos. De não colocar mais sal do que necessário, nem pimenta no caldo. Temperar a paixão, amansar a pantera. Reconhecer o incondicional no amor. Não exigir, embora Imperatriz. Uma paciência amorosa exercitada cotidianamente. Celebrar a intimidade. Até tentei cozinhar, sem muito sucesso. Para me ajudar, revirei tudo que tinha sobre o arcano XIV. Reconheci as mais antigas iconografias. As lágrimas de púrpura e âmbar. E lavava minha alma todos os dias. Comedimento, aceitação, calma, fluência, sobriedade. Relevar o caos. Imperativa a continuidade na manutenção. A amamentação. Até que um dia, a Roda-Gigante parou aqui no meu portão. Sim, literalmente. Uma máquina estranha que não sei para o quê serve, mas que se vê sempre aí, pela cidade. Um sinal mais do que óbvio. Hora da guinada.



Eu não desejei a Roda, fui desejada. Bateu à minha porta. De novo, intermináveis pesquisas. Roda do Ano, roletas, piões, girassóis, as falas do destino - eu reinarei, eu reino, eu reinei, eu não tenho reino. As estações. O centro, que impede que a Roda faça de você o que quiser. O eixo de onde se observa mudanças sazonais. Meditação que já deveria ter sido aprendida no arcano anterior, O Eremita. Pois fiquei eremita para ganhar fôlego no giro. E observei o que gravitava à minha volta e as revoluções internas. Quieta. Calada. Eu e minha boa companhia.

Agora, subo na Roda. Estou concentrada. Sei que o carrinho pára lá em cima e balança. E que o desejo mantém minha atitude na altitude. Imperatriz - sem vertigens, desta vez.


Zoe

3 comentários:

Anônimo disse...

Esteja alerta, seja pura. Continue sua busca de harmonia entre o interior e o exterior. Faça o que acredita e acredite no que fizer.
Tudo o mais é perda de tempo e de energia. Se suas decisões lhe dão alegria e paz, então você está no caminho certo.
Beijos ;-)

Anônimo disse...

Zoe
E não é que se lado bruxinha funciona? Lembrei de um amigo, que mora no interior, mandei-lhe um email e a filha dele me respondeu propondo um "freela fixo". Vou lá ver o que é e te conto.

Anônimo disse...

Zoezinha- musa, desculpe, meu post vai ser gigante. Pode até apagar depois, mas não pude resistir!
Para você e sua Roda:

Roda Viva
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...