18 de setembro de 2006

Tarologando (ou tagarelando) II



Diz uma aluna: - Ah, Zoe, minha tia vai adorar consultar com você.
Ela é fissurada "nessas coisas".

Essas coisas. Certo. Essas Coisas.

Do que se trata? Eu trabalho com "essas coisas" então, coisas estranhas?

Tudo começou na escola, quando a professora afirmava que minha cabeça estava nas nuvens. Certamente eu já pensava naquilo que não tem nome.

Eu realmente prefiro que chamem o que faço "dessas coisas" do que digam que sou "esotérica". Tremo com a palavra, mal aplicada que é. O desinformado, ainda grafa errado: "exotérica". Duplo arrepio. Ou então, assim: "Ela é mística". Palavra bonita, é vero, mas me soa esquisitíssima.

Bruxa, eu gosto porque me acho bonitinha. Se fosse um jaburu, acharia ruim. Feiticeira, ficou sem spell e sem smell depois da música brega. A gente esquece fácil da Samantha mexendo o narizinho. Minha memória é seletiva e tende à entropia.



"Ela é wiccan!" - odeio. Ainda mais quando pronunciam "v" ao invés de "u". Quero morrer, cometer suicídio, uma kamiquase mergulhando o nada com sua vassoura Nimbus 2007.

Essencialmente, minha espiritualidade se dirige à bruxaria. Mas não dou conta que relacionem minha percepção de mundo a uma forma quase protestante de Paganismo (grata, Dr. Graham Harvey!) e repleta de equívocos léxicos. "Religião da Deusa" é o primeiro equívoco. Ora, religião? Mas a palavra, o conceito de Religião, não pressupõe um livro sagrado? E qual seria? O "Livro das Sombras"?

A palavra "religião" está intrinsecamente ligada ao tradicionalismo cristão e a um conceito abstrato de transcendência que supõe o asceticismo. Um profeta, uma legislação estrita, severos códigos de conduta. Me parece que Paganismo não tem nada a ver com isso, pois elege "o corpo", as sensações, a natureza e a liberdade como pontos fulcrais.

E os “Dogmas Wicanns”, então? Dogma, moçada? Vocês têm certeza?

A lei tríplice é uma advertência para um possível abuso de poder. Mas por que o que faço magicamente retornaria para mim três (3!) vezes? Deve ser "dogma" mesmo, porque ninguém explica. Só nos graus mais avançados e é segredo...ok, e meu nome é Mickey Mouse.

Os teólogos cristãos, estes sim, eram feras. Descolavam explicações complicadas e eruditas. Ainda descolam. Convenceram muitos. O que já não acontece com os teálogos (sic) da "Religião da Deusa" - e que ela me perdoe o perjúrio.

Chata. Sim, sou chata com as palavras. Crica, até. Palavras vazias, palavras que nos remetem a uma leitura estereotipada. Sou a favor da criação de um léxico próprio. No mínimo, coerente com meus pensamentos. Que cada um faça o seu. E o defenda.

Aí, chega o espertinho e argumenta que as palavras não importam. Importam sim. A palavra não é a coisa, mas a "coisa" precisa de um viés digno, um suporte sensato.

Engolem-se conceitos e palavras sem questionamento. Mas, ó terra santa, será que isso traduz o que significo? Ou o que desejo significar? É uma pergunta que deveria suscitar reflexão.

Sim, trabalho com "essas coisas". Pronome demonstrativo + substantivo feminino.

Antes assim do que assado.


Zoe
p.s.: hoje tô meio virada. descobri que Éris está no meu mapa.
onde está sua Éris?

9 comentários:

Anônimo disse...

...Que belo! ...demonstrativo substantivo feminino. Muito mais profundo trabalhar com um pronome demonstrativo ( muito mais) substantivo feminino do que com " essas coisas"...concorda, Dona eXquisita????

Anônimo disse...

Gostou das minhas 'bruxinhas'?
Vou levar o cartão para você ;-) Bjs

Anônimo disse...

Zoe...
Adorei o texto. Trabalhamos e vivemos ESSA COISA, graças aos Deuses!!!
Milhões de beijos para você!!!

PS: Quem é Éris??? (rs*)

Anônimo disse...

Que dizer então quando te chamam de irmão?
Principalmente quando é alguém buscando uma intimidade inexistente, e que não compactuamos como nenhum dos seus pensamentos

Anônimo disse...

Você tem planos de visitar o Rio? Li seu blog e gostei muito, gostaria de me consultar com você... só que moro no Rio, fica meio complicado...

Anônimo disse...

Muito estranho seu conceito de religião.

Religião não tem necessariamente a ver com livros sagrados. Na verdade, religião é a ligação ("religação", do Latim "religare") íntima e pessoal com o sagrado, é a busca da transcendência deste mundo material que nossos cinco sentidos nos apresentam.

Assim, pouco importa se os pressupostos dessa "religação", dessa busca pelo sagrado, estão contidos em livros, tradição oral ou nos vêm simplesmente de nossa intuição.

Nesta esteira, com todo respeito, atrelar religião exclusivamente ao cristianismo é ainda mais equivocado.

Ainda, a tal da "Lei Tríplice" tem um porquê de ser tríplice. Esse três é o três explicado na verdadeira cabala. É o motivo pelo qual Hermes foi chamado de Trimegisto, o três vezes grande. É o triângulo de Pitágoras, é a face das pirâmides. É o hermafrodita de que falam os antigos sábios, filho do casamento alquímico. É o compasso dos maçons. São os presentes dos reis magos. É o significado oculto das palavras evocadas pelos católicos ao fazerem o sinal da cruz.

Emfim, esse três tem a ver com a tríplice natureza do nosso ser, segundo as antigas tradições, cujo segredo ainda reverbera de forma velada (e as vezes confusa, é verdade) através dos tempos. E sendo tríplice nossa natureza, tríplice é o retorno das ações mágicas, na tradição Wicca.

Entretanto, evidentemente, não se pode esperar tal explicação dos leitores de Harry Potter e Paulo Coelho que se reunem por aí vestidos de preto...

Por fim, ainda com todo o respeito, creio que empregou equivocadamente a palavra "paganismo" em seu texto, onde você está tomando o gênero por espécie. Pagão é todo aquele que não é cristão (a definição é por exclusão mesmo). Mas digo isto apenas pelo seu amor à adequação léxica.

(De alguém que não é e nunca foi Wiccan).

Anônimo disse...

Alquimista,


A questão controvertida acerca da palavra "religião", aplicada principalmente ao sagrado feminino, foi tema de inúmeras discussões enquanto eu participava ativamente de uma lista do yahoogroups chamada "A Fonte de Hécate". Quanto escrevi o texto que vc questiona aqui no blog, esse tempo já havia passado - sinto o assunto esgotado, porque minhas conclusões continuam as mesmas. Lancei-as irresponsavelmente no blog sem mostrar como cheguei a elas. Mate a cobra mas mostre o pau, não é mesmo? Claro, o momento de mudar de opinião e remexer o caldeirão pode ter chegado. Talvez possamos chegar num consenso. Ou não. Veja meus argumentos.

Compreendo que vc se refira à palavra "religião" como um quase sinônimo de "espiritualidade", a relação entre o homem e a divindade que, num primeiro momento, já se supõe vertical. A idéia de Deus é um elemento organizador na vida humana. Cá estamos na terra, vista como matéria e o céu, a intangibilidade do azul, como algo que deva ser alcançado através de práticas de conexão, sejam elas quais forem. "Re-ligar" supõe que estejamos desconectados de algo, supõe a exigência de uma ponte. Já discordo de saída: não creio que estejamos desconectados de nada. Sinto que formamos uma integralidade com tudo que nos rodeia. Somos ar, seixo, montanha. É um pressuposto poético e animista o meu ponto de partida, sem dúvida alguma. Chamo o período em que o ser humano tinha essa concepção de "Idade da Deusa". Tempo este que pode ser vivido aqui e agora e que com certeza foi experimentado por diversas pessoas durante toda a história da humanidade. É uma forma anterior à idéia de religação, compreende? Para todas as direções - o sagrado está acima, abaixo, ao lado... é circular, feminino. Anterior porque está mais perto da gênese.

Concordo que a vida moderna nos afasta da natureza, da nossa própria natureza sagrada. Mas perceber que assim é depende apenas de uma disposição do sujeito, uma disposição também poética e animista (que nem todos possuem, sentindo necessidade de práticas espirituais estritas e que funcionam dentro de cânones e dogmas também estritos). Parece que as concepções da Física Quântica tbm convergem para esta idéia.

Mas usemos as ferramentas de discussão científica tradicionais (a ciência, maior de todas as "religiões") para deixar as coisas mais claras a partir do seu ponto de vista. Vamos à etimologia: Emile Beneviste, um lingüista pra lá de respeitado no mundo acadêmico, diz que a palavra religião é uma invenção cristã. Em uma obra organizada por Jacques Derrida e Gianni Vattimo, chamada "A Religião, seminário de Capri", consta:

"(...) O que orientaria aqui 'nesse' deserto, sem rota nem interior,seria ainda, com toda certeza, a possibilidade de uma religio e de um relegere, mas antes do 'vínculo' do religare, etimologia problemática e, sem dúvida, reconstruída, antes do vínculo entre os homens como tais ou entre o homem e a divindade do deus. Isso ocorreria também como condição do 'vínculo' reduzido a sua determinação semântica mínima: a parada do escrúpulo (religio), a retenção do pudor, igualmente, uma certa Verhaltenheit referida por Heidegger(...), o respeito, a responsabilidade da repetição com a garantia da decisão ou da afirmação (re-legere) que se liga a si mesma para se ligar ao outro".

O mundo fala latim quando fala de religião, me parece. Então, a palavra já vem de um paganismo degradado que irá desembocar no monoteísmo cristão.

Fontes possíveis da palavra religio: a) relegere, de legere ("colher, juntar") - Tradição ciceroneana que prossegue até W. Otto, J.-B Hofmann, Beneviste; ATENÇÃO ESCRUPULOSA;

b) religare, de ligare, ("ligar", religar"). Esta tradição iria de Lactâncio e Tertuliano a Kobbert, Ernout-Meillet, Paul-Wissowa.

Há outras possibilidades de interpretação etimológica aqui: http://www.religioustolerance.org/rel_defn.htm

Em grego, terímos a palavra THRESKEÍA que significa "culto e observância dos ritos", um possível "equivalente" à palavra latina "religio".

Esses significados traduziriam a minha forma de entender o sagrado? Não. Traduziriam a forma "wiccan" (idealmente) de traduzir o sagrado? Não. Se os wiccans usam a palavra "religião”, estão equivocados.

Vejamos o que diz Françoise d'Eaubonne, em Les Femmes avant le patriarcat:

"Com efeito, a religião, no seu sentido original de relação, parece essencialmente masculina. A consciência da Divindade original que a precede, acompanhando a vivência cotidiana, pertence muito mais à pré-história feminina. A Grande-Deusa, metamorfose da Terra-Mãe (passagem ao drama, diz Mircea Eliade) e as sua filhas deusas - separação da Vida e da Morte entre Deméter e Perséfone - assinalam esta evolução que vai da intuição imediata, da não separação do humano e do divino, à "religião" que acompanha o próximo triunfo do patriarcado e da consciência de ter nascido, de estar fora da mulher e da natureza".

Bem, com esses dados podemos começar a discutir se vc quiser, se achar que vale à pena. Me parece que será difícil, pois partimos de pressupostos diferentes. Inclusive quando vc argumenta com relação ao número 3, baseia-se na cabala, no pitagorimo. Bem, se até Gardner e Sanders o fizeram ... por isso, a Wicca, e seus pressupostos também não me convencem como a tradução de um sagrado feminino.

Quanto à palavra "paganismo", você poderia ser mais claro quando me diz que tomei "gênero por espécie"? Agradeço.

abraços,

Anônimo disse...

Olá, Zoe!
A-M-E-I este seu texto... dentre outros, claro! hehehe
Parece q temos algo em comum... aqui no interior de SP é complicadíssima esta questão... preconceito + banalização...

Bjo!

Anônimo disse...

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